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Fact Check Madeira

Será que os desaparecidos nas serras da Madeira são sobretudo nómadas digitais?

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Um casal de argentinos esteve perdido nas serras de São Vicente na quinta-feira e pediu por socorro. Acabou por ser resgatado, em segurança, por uma equipa especializada da PSP e pela Polícia Florestal. No mesmo dia, um cidadão publicou um comentário na plataforma digital Reddit no qual associa o aumento do desaparecimento de pessoas nas serras com a “chegada em massa de nómadas digitais” à Madeira. Será que um fenómeno está ligado ao outro?

Por nómada digital é uma pessoa que trabalha remotamente, normalmente usando apenas um computador e internet, e que viaja ou muda frequentemente de local, em vez de viver num sítio fixo. Pode ser o exemplo de uma designer gráfica que vive 3 meses em Lisboa, depois na Madeira e depois em Bali (Indonésia). Já um turista é alguém que viaja para fora do seu ambiente habitual, durante um período geralmente curto em que não trabalha, com o objectivo de descansar ou desfrutar de lazer. Logo, os conceitos de ‘nómada digital’ e de ‘turista’ não se confundem.

Há mais de 200 anos que a Madeira acolhe pessoas que aqui vêm em turismo. Já a chegada dos nómadas digitais é bem mais recente. A primeira vez que o DIÁRIO entrevistou um nómada digital que vivia na Região foi em Março de 2015. Tratava-se de Kash Bhattacharya, um blogger de viagens britânico que estava a viver há uns meses no Funchal depois de se ter apaixonado por uma madeirense. Mas a notícia seguinte sobre este modo de trabalho à distância só veio a ser publicada em Fevereiro de 2021, quando a Ponta do Sol se assumiu como ‘vila nómada digital’ para atrair aquele tipo de profissionais.

Desde então, nestes quase cinco anos, os nómadas digitais foram notícia várias vezes, mas o DIÁRIO não encontrou nenhum caso de desaparecimentos nos percursos pedestres da Madeira. Houve, de facto, pessoas estrangeiras que desapareceram nas nossas serras neste período, mas, segundo o que foi noticiado, tratavam-se de turistas e não de pessoas que estavam na Região em trabalho.

Numa pesquisa não exaustiva encontrámos sete situações que envolvem oito pessoas:

29 de Dezembro de 2020

O turista alemão Jascha Paul Hardenberg, de 28 anos, que estava de férias na Madeira, desapareceu durante uma caminhada a solo pela Levada das 25 Fontes, no Rabaçal. A última comunicação conhecida foi uma georreferenciação enviada a um amigo às 14h00, indicando a sua localização.

7 de Julho de 2021

O cidadão polaco Michal Kozek, que, segundo a PJ, era “turista de férias na Madeira”, desapareceu durante um treino de corrida que realizava sozinho entre os concelhos do Porto Moniz e da Calheta. Foi deixado por um táxi por volta das 19h15 do dia 7 de Julho na vila do Porto Moniz, desde então não voltou a ser visto.

1 de Setembro de 2021

O turista francês Benoit Way desapareceu quando realizava uma caminhada na zona das Queimadas, rumo ao Caldeirão Verde. Veio à Madeira com o objectivo de fazer 12 caminhadas em 12 dias. A 29 de Janeiro de 2023 foram encontradas ossadas na Ribeira de São Jorge que as autoridades admitiram que pudessem estar relacionadas com este desaparecimento.

11 de Dezembro de 2022

O turista britânico Darren Kay, de 52 anos, que estava de férias na Madeira juntamente com a esposa, desapareceu quando fazia uma corrida na Fajã do Mar, no Arco da Calheta.

17 de Dezembro de 2022

O turista de nacionalidade alemã Wolfgang Mehrle chegou sozinho à Madeira a 4 de Dezembro de 2022 e ficou hospedado no Hotel RIU, no Caniço. Foi visto pela última vez no dia 17 na zona da Encumeada, apresentando uma ferida na cabeça provocada alegadamente por uma queda sofrida durante uma caminhada. Deveria ter regressado a Hanover a 20 de Dezembro, mas não compareceu no voo.

16 de Março de 2024

O casal de turistas franceses Véronique e Laurent Blond, de 56 e 58 anos, esteve dado por desaparecido em São Vicente. Os seus dois cadáveres foram encontrados a 5 de Abril, na vereda da Abelheira, Fajã da Areia. A PSP indicou na altura que uma queda acidental terá sido a causa da morte.

2 de Novembro de 2025

O turista polaco Igor Holewiński, de 31 anos, desapareceu quando fazia uma caminhada em direcção ao Pico Ruivo. O seu corpo foi encontrado no passado dia 9 por uma equipa de busca privada, numa zona de difícil acesso, na Ribeira Grande, Faias, Santana.

Concluímos, pois, que a associação de “nómadas digitais e desaparecidos nas levadas” é forçada e errada, pois não é sustentada nos factos conhecidos nos últimos cinco anos.

“Nómadas digitais e desaparecidos nas levadas. Não me lembro de haver tantos desaparecimentos/mortes de turistas nas levadas/serras antes da chegada em massa daqueles nómadas digitais. Fiquei pensando se uma coisa tem alguma coisa a ver com a outra” – Utilizador com pseudónimo ‘Esmigalha Regos’ na rede social Reddit.