Comprometam-se!
Na proposta do Orçamento do Estado para 2026, as referências à Região Autónoma da Madeira — que no próximo ano celebra meio século de autonomia política — ficam aquém do exigível. É certo que o Governo da República anunciou a entrada em funcionamento, em Janeiro de 2026, da nova plataforma do subsídio de mobilidade. Trata-se de um avanço, embora parcial: o residente continuará a pagar, antecipadamente, o valor total da passagem aérea, ficando à mercê de reembolsos e de uma burocracia que se arrasta há anos.
Quanto à ligação por ferry entre o Funchal e o continente, nada mudou. Permanece tudo “até à conclusão do estudo técnico” — fórmula que adia decisões em vez de as assumir. Não há datas, não há compromissos, não há sequer uma orientação clara. No impasse, resta saber se a maioria dos madeirenses deseja uma ligação marítima que, no passado recente, não resultou. Para já, a decisão não se adivinha para breve.
Estas duas matérias, mobilidade aérea e marítima, são ilustrativas de como o Estado continua a olhar para as autonomias a partir do Terreiro do Paço: com paternalismo, distância e desconfiança. Como recordou, e bem, António José Seguro na sua recente visita à Madeira, “o centralismo desconfia sempre das regiões e das periferias”. Todavia, o que não deixa de ser caricato, o próprio candidato presidencial pouco adiantou quando confrontado com temas concretos, como o papel do Representante da República ou a urgente revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região.
Também o Governo da República, no final do inédito Conselho de Ministros que reuniu em Lisboa os presidentes dos governos regionais, optou por anunciar a criação de mais um grupo de trabalho para rever a Lei de Finanças Regionais. Em Portugal, tornou-se quase um reflexo: quando não se quer decidir, cria-se um grupo de trabalho. E assim se empurra o problema com a barriga, ano após ano.
Passadas quase cinco décadas de autonomia, é inaceitável que sucessivos governos, sejam eles de maioria PSD ou do PS, não tenham conseguido resolver de forma séria e definitiva questões essenciais para a vida dos madeirenses. Veremos o que ditam na prática reuniões e as cimeiras tripartidas anunciadas.
A caminho dos 50 anos de autonomia, não bastam discursos ou programas de intenções. Impõem-se compromissos claros, com prazos e responsabilidade política. A Região dispensaria as loas ao modelo autonómico se delas não resultarem actos concretos. Queremos saber, com franqueza, até onde está o Governo disposto a ir no aprofundamento da autonomia da Madeira e dos Açores.
As cerimónias e comemorações terão o seu espaço e importância simbólica. Mas a autonomia não vive de solenidades, vive de decisões, de competência legislativa, de respeito mútuo entre Lisboa e as ilhas. Meio século depois, não se pede um favor: exige-se que a autonomia seja cumprida, na lei e na prática.
2. Vivemos tempos estranhos, de incerteza e volatilidade. O que hoje parece sólido, amanhã desmorona-se. E, no meio deste turbilhão, há sempre quem se aproveite da confusão para semear a desconfiança, a crispação e o caos.
Haverá lógica em revisitar o regime político que ruiu a 25 de Abril de 1974, tentando reabilitar a memória de um ditador que deixou o país mergulhado na penúria, no atraso e no medo? Que propósito serve esse exercício de revisionismo histórico que alguns, com estranha nostalgia, insistem em promover? Portugal foi, durante décadas, um país cinzento, reprimido, onde a censura mutilava o pensamento, onde a pobreza se confundia com resignação e onde as mulheres, em larga maioria, não tinham voz, nem direitos, nem futuro. É para esse país que alguns querem olhar com saudade?
Que utilidade tem este debate, senão o de distrair e dividir, como se a ressurreição de um Estado podre e caquéctico pudesse ser o remédio para os males da nossa democracia?
A democracia tem defeitos, sim e muitos. Mas é nela que reside a liberdade de discordar, de protestar e até de dizer disparates. Haja, pois, tino. E respeito por todos os que lutaram para que todos possam ter voz ainda que, por vezes, seja apenas para propagar imbecilidades.