Outros tempos outras diversões

Pelos alfarrábios emaranhados da minha memória, já um pouco corroídos pela traça, deparei-me com umas velhas recordações dos meus verdes anos, vividos na pacata vila de Santana.

Com o sangue na guelra, nós, jovens de então, não tínhamos as diversões de hoje, para expandirmos a chama daquele fogo, que nos ardia na alma, era trabalho e mais trabalho.

Apenas o futebol era o escape, que domingo, após domingo, juntava um bom punhado de rapazes, que faziam do snack bar vera cruz, o seu ponto de encontro. Um estabelecimento, frequentado quase exclusivamente, só por jovens.

Umas ginjinhas ou umas aguardentes macias, ao domingo antes do começo da missa do dia e, ao mesmo tempo dando uma espreitadela às moças, que passavam para a missa, sem que elas torcessem o pescoço, para olhar para o lado em que nós estávamos. Era o prenúncio de um dia que prometia.

Entretanto, na igreja começava o ato religioso, em que nós não falhávamos, não tanto por fé ou por devoção, mas quase por obrigação.

Após a missa, o destino era o campo de futebol.

Por dois escudos e cinquenta centavos cobrado a cada um de nós, os táxis levavam-nos ao destino, de preferência, um táxi que tivesse uma bomba de encher pneus, para que enchêssemos o catechu que estava à nossa espera, flácido e deformado.

Depois de uma esfrega, desportivamente bem recebida, as pernas ainda aguentavam o regresso a casa feito a pé, para um desejado almoço e à tarde a uma nova convivência na vera cruz, onde a devoção era mais virada para o deus baco, com umas iguarias à mistura, enquanto uma telefonia ia dando o relato do futebol, vivido por nós com muita intensidade. Um convívio que terminava pelas vinte e duas horas com o encerramento do estabelecimento, quando não havia prolongamento, entre portas fechadas, onde se saboreava umas iguarias feitas à nossa maneira. Lembro aquele dia, quando comemos galinha, roubada à mãe de um elemento do grupo e que, só no final lhe dissemos a origem da galinha, recomendando que ele próprio, agradecesse à mãe. Recordo um grande amigo, que aparecia quando o convívio já era portas adentro. O grande amigo, Padre Ramos, que estando em início de sacerdócio procurava ser o mais discreto possível, para fugir às más línguas e ao controlo do pároco da freguesia. Grande Homem, exerceu um sacerdócio de proximidade, tratava todos por irmão.

Como nota final afirmo, que aquele café vera cruz, é um marco importante na história de muitos jovens de Santana dos anos sessenta e muito provavelmente, gerações seguintes e, que adentro portas hoje encerradas, guarda montes de boas recordações, desses jovens de então.

José Miguel Alves