A matemática cruel do futuro madeirense
A Região arrisca-se ainda a perder médicos de família por causa da burocracia
Na semana em que a campanha para as Autárquicas entrou oficialmente em velocidade de cruzeiro, emergem dados e factos que merecem muito mais atenção do que a habitual contabilidade eleitoral de domingo. São sinais de alarme sobre o futuro da Região, suficientemente alarmantes para convocar uma reflexão urgente, sem o conforto da procrastinação política.
Um estudo recente do Instituto Nacional de Estatística lança uma sombra pesada: dentro de 75 anos, a Madeira poderá perder mais de metade da sua população. Dos actuais 259,4 mil habitantes restariam apenas 123,3 mil em 2100. A matemática é cruel, mas não surpreendente. Para além da quebra demográfica, o envelhecimento duplicará. Em termos práticos, a Região poderá perder 136 mil pessoas em três quartos de século. Um cenário inquietante, mas absolutamente realista.
A dureza dos números não admite ilusões. Se nada for feito, por cada 100 idosos haverá apenas 114 pessoas em idade activa. Um rácio explosivo que pressionará sistemas sociais já hoje em esforço. A equação é conhecida: empregos precários, baixos salários, o custo proibitivo da habitação e a dificuldade em conciliar trabalho e família. Resultado: menos filhos, mais adiamentos, natalidade em queda. A ‘tempestade perfeita’ que alimenta o Inverno demográfico anunciado há décadas está já sobre nós. E só um pacto político sólido, transversal e duradouro poderá travar a erosão demográfica. Se não houver coragem para isso, restará gerir o declínio.
Mas a semana trouxe outros números inquietantes. O IASAÚDE revelou que, só no primeiro semestre deste ano, gastou 26 milhões de euros em comparticipações de medicamentos, mais 10% face a igual período do ano passado. Os genéricos, bem mais baratos, cresceram apenas 1%. Enquanto o Região paga cada vez mais às farmácias, milhares de madeirenses continuam meses à espera do reembolso de despesas médicas: consultas, exames, cirurgias e até vacinas caras, integralmente pagas pelos utentes. O mesmo instituto que depressa divulga quanto paga às farmácias, recusa comprometer-se com prazos para devolver o que é devido aos cidadãos.
Como se não bastasse, a Região arrisca-se ainda a perder médicos de família por causa da burocracia, um luxo que não pode ser tolerado numa altura em que os especialistas de várias áreas são bens escassos.
Há mais a registar da semana: o diferencial de 30% no IRS, tantas vezes reivindicado afinal vai ficar-se pelo 7.º escalão. O próximo Orçamento da Região não contemplará a bonificação máxima permitida pela Lei das Finanças Regionais a todos os escalões. Uma contradição evidente ao que foi anunciado pelo presidente do Governo em diversas ocasiões, este ano. E a pergunta impõe-se: num ano com excedente orçamental e de cofres cheios, o que justifica o recuo governamental?
2. Daqui a uma semana, os madeirenses vão às urnas para eleger os seus representantes autárquicos. É uma escolha importante, não apenas para o equilíbrio de forças partidárias, mas sobretudo para a qualidade da governação local, onde as mulheres são secundarizadas: apenas 18 lideram candidaturas entre 73 listas… O eleitor tem sete dias para reflectir com consciência e não se deixar seduzir por promessas fáceis ou anúncios que nada têm a ver com o âmbito do poder municipal. Multiplicam-se propostas que, na verdade, são matéria exclusiva da Assembleia da República e não das câmaras ou juntas de freguesia. Por isso, mais do que nunca, é essencial ler os programas, separar o possível do impossível e decidir com rigor. Só assim se evita a frustração de esperar de um autarca aquilo que nunca será da sua responsabilidade.