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Explicador Madeira

Lei da Nacionalidade: o que muda afinal?

Depois de meses de discussão e de vários alertas sobre eventuais inconstitucionalidades, a nova Lei da Nacionalidade foi aprovada esta terça-feira no Parlamento. A proposta, apresentada pela direita e apoiada pelo deputado do JPP, teve 157 votos a favor e 64 contra, com a oposição da esquerda. Falta agora a promulgação do Presidente da República para que entre em vigor no dia seguinte à sua publicação.

As alterações introduzidas apertam os critérios para a atribuição da nacionalidade portuguesa a estrangeiros sem ascendência lusa, reforçando o controlo sobre os pedidos e o compromisso com os valores constitucionais do país. Uma das principais novidades é a exigência de uma declaração solene de adesão aos princípios da República Portuguesa, em que o candidato deverá afirmar o respeito pelos valores democráticos, pela igualdade e pelos direitos fundamentais.

Outra mudança significativa passa pela obrigatoriedade de demonstrar conhecimentos sobre a história, a cultura e a sociedade portuguesas, indo além da simples comprovação de língua. O objectivo, segundo os proponentes, é assegurar uma integração mais efectiva e consciente dos novos cidadãos.

A nova lei também revê prazos e condições de residência legal exigidos para o pedido de nacionalidade, introduzindo mecanismos de verificação mais rigorosos. Por outro lado, mantém as garantias para quem tem ascendência portuguesa, protegendo os direitos de filhos e netos de cidadãos nacionais.

Em síntese, o processo para obter a nacionalidade portuguesa passa a ser mais exigente e mais centrado na ligação efectiva a Portugal. Resta agora saber se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa confirmará a decisão parlamentar, encerrando um dos debates jurídicos e políticos mais intensos dos últimos meses.

1. O que é a Lei da Nacionalidade?

A Lei da Nacionalidade é o conjunto de normas que define quem é, ou pode tornar-se, cidadão português. Ela foi criada em 1981 e tem sido modificada ao longo das décadas para se adequar às transformações sociais e demográficas do país. A legislação distingue dois caminhos principais: a nacionalidade originária, concedida a quem nasce português, e a nacionalidade adquirida, obtida posteriormente por naturalização ou vínculo familiar.

Em termos práticos, a lei determina as condições em que filhos de portugueses — mesmo nascidos fora do país — podem requerer a cidadania, e também estabelece critérios para estrangeiros que residem legalmente em Portugal. As alterações recentes e as novas propostas refletem um esforço político para equilibrar a tradição de acolhimento do país com o aumento expressivo de pedidos, principalmente de brasileiros, angolanos e cidadãos da União Europeia.

2. Quem pode ser português?

Pela lei actual, são considerados portugueses de origem os filhos de mãe ou pai português nascidos em território nacional. Também têm direito à nacionalidade os filhos de portugueses nascidos no exterior, desde que o nascimento seja registrado em Portugal ou que os pais estejam a serviço do Estado português. Há ainda a possibilidade de aquisição por naturalização, destinada a estrangeiros que demonstrem vínculos reais com o país — como o domínio da língua e a ausência de condenações criminais graves.

Além disso, descendentes de portugueses até o segundo grau podem solicitar a nacionalidade mediante declaração de vontade, desde que mantenham “laços de ligação efectiva” com o país, como residência ou conhecimento da língua. O casamento ou união estável com um cidadão português também abre caminho para a obtenção da cidadania, desde que o relacionamento tenha mais de três anos e seja reconhecido judicialmente. Já os estrangeiros que vivem em Portugal precisam comprovar residência legal de ao menos cinco anos, requisito que pode subir para sete ou dez, conforme a nova proposta.

3. O que vai mudar com a nova lei?

A proposta de revisão da Lei da Nacionalidade, em discussão no Parlamento, propõe aumentar de cinco para sete anos o tempo mínimo de residência exigido para cidadãos da CPLP e da União Europeia, e para dez anos no caso de outras nacionalidades. A medida, defendida por partidos de direita como o PSD e o Chega, visa restringir o acesso à cidadania, justificando-se pelo aumento da imigração. O PS, por sua vez, tenta um acordo intermediário, sugerindo um prazo de nove anos, mas alerta que isso pode prejudicar comunidades históricas ligadas a Portugal, especialmente os brasileiros.

Outra mudança importante é a inclusão da perda de nacionalidade no Código Penal. Essa penalidade, que seria aplicada por decisão judicial, valeria para condenações por crimes graves, como homicídio, terrorismo ou crimes contra o Estado, com penas superiores a quatro anos de prisão. A proposta também endurece as regras para crianças nascidas em Portugal, exigindo que um dos pais resida legalmente no país há pelo menos dois ou cinco anos — a depender da versão do texto — para que a criança tenha direito à nacionalidade automática.

4. E o que muda para os judeus sefarditas e cidadãos das ex-colônias?

Os descendentes de judeus sefarditas — grupo que desde 2015 podia obter nacionalidade portuguesa ao comprovar ligação ancestral com o país — podem perder esse direito. O governo quer extinguir essa via de naturalização, alegando fraudes e abusos no processo. Milhares de pessoas em todo o mundo, especialmente de Israel e do Brasil, utilizaram essa possibilidade para conseguir o passaporte europeu.

Já os cidadãos nascidos nas antigas colónias portuguesas antes de 25 de Abril de 1974, data da Revolução dos Cravos, continuam a ter regras específicas. Filhos, netos e cônjuges de cidadãos dessas regiões — como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe — podem requerer a nacionalidade desde que comprovem laços de ligação a Portugal. O critério costuma incluir ascendentes que tenham nascido e falecido em território português antes da independência das colónias.

5. O que é necessário para aprovar a nova lei?

A revisão da Lei da Nacionalidade precisa de maioria absoluta — 116 dos 230 deputados do Parlamento português — para ser aprovada. O debate está polarizado: PS, Bloco de Esquerda, PCP e Livre manifestaram oposição a pontos centrais do texto, enquanto PSD e CDS contam com o apoio do Chega para aprová-lo. O Observador relata que o partido de extrema direita tem papel decisivo, já que aceita apoiar a proposta se houver punições claras para casos de fraude na obtenção da nacionalidade.

As negociações vêm sendo intensas. De um lado, há o argumento da necessidade de controle e rigor diante do alto número de pedidos; de outro, a defesa de uma lei mais inclusiva, que reconheça o vínculo histórico e cultural dos descendentes de portugueses espalhados pelo mundo, especialmente no Brasil.

6. “Lei da Nacionalidade” e “Lei dos Estrangeiros” são a mesma coisa?

Não. Embora ambas tratem de imigração, são legislações distintas. A Lei da Nacionalidade regula quem é, ou pode tornar-se, cidadão português, estabelecendo os critérios de origem e naturalização. Já a Lei dos Estrangeiros trata da entrada, permanência e direitos dos cidadãos estrangeiros em território português, incluindo concessão de vistos, autorizações de residência e reagrupamento familiar.

A mais recente revisão da Lei dos Estrangeiros, já promulgada pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa, simplificou alguns procedimentos de regularização, mas o governo agora pretende reforçar o controle sobre novos pedidos e restringir acessos automáticos à nacionalidade. Para brasileiros e outros cidadãos da CPLP, isso pode significar um processo mais longo e burocrático para viver legalmente em Portugal ou obter o passaporte português.

7. Os prazos mudam para os estrangeiros que vivam em Portugal?

Sim. Os prazos para pedir a nacionalidade portuguesa dilatam e passam de cinco para dez anos (para estrangeiros de todos os países) e para sete anos (para cidadãos dos países de língua oficial portuguesa e para cidadãos da União Europeia).

8. E para os filhos de estrangeiros que nasçam em Portugal, a lei muda?

Sim. Muda a nacionalidade atribuída à nascença para filhos de estrangeiros: os pais têm que residir, legalmente, há cinco anos em Portugal, quando agora só era necessário viverem há um ano em Portugal, independentemente do seu estatuto legal. Inicialmente a AD tinha proposto que a nacionalidade fosse atribuída aos filhos de pais que vivessem há três anos mas na comissão acabou por ser alargado para cinco anos.