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A encruzilhada da Habitação

No dia em que a Assembleia Legislativa discute a Habitação – seguramente, com foco na habitação pública – importa perceber as causas reais do estado em que nos encontramos.

A Comissão Europeia revelou que, entre 2014 e 2024, o preço das casas na União Europeia aumentou 50%. No entanto, em Portugal o aumento foi de 200%.

O que será que justifica esta “doença” nacional?

Comecemos pelas que justificam o “normal” aumento de 50%:

Na sequência da crise do subprime (2008) e da crise financeira (2011-2014), de 2014 a 2024, Portugal (tal como a generalidade da UE) teve a pior década em termos de construção de habitações, com uma redução de mais de 80% em relação a qualquer década anterior. Tem havido uma ligeira recuperação, mas em 2024 ainda se construiu menos do que em 2012.

Esta escassez da oferta foi agravada com a “nova mobilidade” pós-covid, que fomentou a procura de casas por cidadãos estrangeiros, com maior capacidade financeira, e que conduziu a uma sobrevalorização adicional dos activos imobiliários.

Por último, a pandemia e as guerras provocaram um aumento generalizado dos custos das matérias-primas, da mão de obra e das cadeias de transporte, que é repercutido no custo final da habitação.

Mas o que justifica, então, o aumento nacional de 4 vezes mais (200%)?

Desde logo, uma oferta de habitação pública muito baixa, cerca de 2% do total, valor muito abaixo da média da UE (aproximadamente 9%) e de outros países. E isto por uma razão muito simples: durante muitas décadas o Estado promoveu habitação pública/social à custa dos senhorios, “nacionalizando” as suas casas e desonerando-se de investir.

Fruto desta “nacionalização”, ainda existem mais de 151.000 arrendamentos com rendas congeladas, que representam uma fatia de 16% do total do mercado de arrendamento nacional.

Acresce que o regime do arrendamento continua a ser injusto e pouco atrativo para os senhorios. A liberdade contratual das partes é injustificadamente limitada, e os inquilinos continuam a ser tratados como proprietários de casas alheias. Para além do mais, os impostos sobre o património e sobre os rendimentos prediais são exagerados.

Assim, existem mais de 700.000 casas vazias (cerca de 12% do parque habitacional), que podiam, em parte, estar no mercado de arrendamento. A oferta aumentaria substancialmente, com a consequente diminuição substancial do valor das rendas. E, com isto, os Portugueses teriam, como todos os cidadãos da UE, uma alternativa real à aquisição de casa própria.

Por outro lado, construir continua a ser um “calvário”. A burocracia é um labirinto e os impostos, taxas e taxinhas multiplicam-se. Os PDM estão desactualizados e assentam numa lógica proibitiva e penalizadora. As regras e os requisitos construtivos são infindáveis e irracionais.

Em suma, a habitação pública – uma obrigação do Estado – deve ser promovida, ainda que apenas à custa de verbas comunitárias, e sem qualquer perspectiva de continuidade após o fim do PRR. Mas só resolverá o problema de alguns/poucos, e não ataca os problemas de fundo. Até que exista um verdadeiro (e equilibrado) mercado de arrendamento, e até que as burocracias e os custos excessivos que dificultam a construção continuarem a existir, a habitação continuará a escassear e o preço da mesma continuará a aumentar.

Por isso, o que se pede (e exige) a qualquer Governo não são meros paliativos, dirigidos a poucos. Pedem-se reformas estruturais e corajosas, aptas a resolver um problema que foi deixado “a marinar” durante décadas e que agora implodiu.