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Análise

Política pode mudar de cor, a pobreza não

As eleições do passado domingo confirmam uma Região mais plural

Enquanto no continente o bipartidarismo (PSD/PS) sobrevive, ainda que esvaziado de vitalidade, na Região o cenário apresenta contornos distintos: apenas o PSD continua a ser o eixo central da disputa eleitoral, 50 anos após a conquista da Autonomia. Venceu as eleições autárquicas, recuperou uma câmara, perdeu outra, esta última por erros próprios e não por mérito alheio. Em São Vicente, o Chega soube explorar a cisão interna dos social-democratas e conquistou o poder. Dispõe agora de quatro anos para provar capacidade de governação e cumprir as promessas feitas à população, uma tarefa exigente, sobretudo face às limitações orçamentais que se adivinham.

Mesmo perdendo o Norte, o PSD, coligado ou isolado, obteve 44,28% da votação, correspondendo a 61.532 votos para as câmaras municipais, quase mais dois pontos percentuais face ao resultado alcançado há quatro anos. O JPP firmou-se como segunda força política regional, alcançando 18,09%, a mais de vinte e seis pontos percentuais de distância do primeiro, mas consolidando uma posição que já vinha sendo construída. O PS, por seu turno, afundou-se na terceira posição, com apenas 13,37% (18.577 votos), ficando a escassos dois pontos percentuais do Chega. Em sete meses, desde as eleições regionais, os socialistas perderam mais de quatro mil votos, uma sangria eleitoral que espelha o estado de desorientação interna e o desgaste de uma liderança sem rumo há tempo demais. Em relação às eleições de 2021 foram ao ‘ar’ quase 23 mil votos socialistas!

O Partido Socialista, outrora com ambições de poder regional, encontra-se hoje em estado de coma político. Perdeu influência nas juntas de freguesia e apenas elegeu vereadores em quatro autarquias. Fora dos concelhos onde venceu, Porto Moniz e Machico, ganhos sobretudo pelo mérito pessoal dos candidatos e não pela força partidária, o PS tem presença residual: dois vereadores na Ponta do Sol e um no Funchal, quando anteriormente detinha cinco na capital. Em sete municípios, pura e simplesmente desapareceu do mapa autárquico. A frieza dos números não engana: em seis anos, a direcção socialista desperdiçou o capital político e de confiança que poderia, um dia, ter permitido disputar o poder com o PSD. O caminho de regresso será longo e incerto, basta ver as reticências que já se colam a Ricardo Franco, candidato à presidência do partido.

O Chega, pelo contrário, mantém uma trajectória ascendente, beneficiando da fadiga do sistema partidário tradicional e da crescente desconfiança popular em relação aos partidos instituídos. Mesmo que continuem a propagar propostas irrealistas e irrealizáveis, têm vindo a captar a atenção do eleitorado.

Os restantes partidos, mais pequenos, pouco ou nada contam. Os votos brancos e nulos somados (3.300) nas câmaras municipais, valem mais do que o resultado global obtido pela IL, CDU, PAN, BE, PTP.

As eleições do passado domingo confirmam uma Região mais plural, distante da hegemonia absoluta do PSD de outros tempos. O JPP reforçou a sua base e consolidou o domínio em Santa Cruz; o CDS resistiu e ampliou influência em Santana; o PS, nas margens da sobrevivência, manteve-se apenas no Porto Moniz e em Machico. O mapa político madeirense redesenha-se, mas o equilíbrio de forças continua a pender para a direita.

2. Paralelamente, a economia regional continua a crescer há 52 meses consecutivos, com um excedente orçamental próximo dos 100 milhões de euros até Julho. Contudo, este desempenho macroeconómico contrasta com a persistência de problemas estruturais: a Madeira continua acima da média nacional nos indicadores de pobreza e exclusão social. Não basta celebrar relatórios favoráveis ou desvalorizar estatísticas incómodas; é imperioso reconhecer que a prosperidade medida em percentagens não se traduz, ainda, em melhoria efectiva das condições de vida da maioria dos cidadãos.

Os recordes do turismo e as contas públicas equilibradas precisam de ter expressão social. O diagnóstico está traçado e as prioridades são conhecidas: reduzir as desigualdades, reforçar a coesão territorial e garantir que o crescimento económico beneficia quem trabalha. Aumentar o salário mínimo e o salário médio regional seria um primeiro sinal político concreto de compromisso com a justiça social. É tempo de o Governo Regional traduzir o discurso do sucesso em políticas que toquem a vida real dos madeirenses, os mesmos que, eleição após eleição, continuam à espera de sentir o progresso de que tanto se fala.