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Floptilha: A epopeia bloquista rumo a Gaza

Portugal volta a provar que é um país de aventureiros. Camões cantou “As armas e os barões assinalados”, e agora podíamos muito bem cantar “As selfies e os bloquinhos iluminados”. Quatro bravos lusitanos, armados de convicções de esquerda e talvez de um saco de batatas camponesas, decidiram zarpar rumo a Gaza em missão “humanitária”. Dizem eles.

A ideia era simples: levar ajuda ao povo palestiniano. O problema é que, pelos vistos, a dita ajuda cabia num saco de supermercado— duas garrafas de cola zero, umas bolachas integrais e muita vontade de aparecer nas notícias. A operação foi pintada pela nossa comunicação social como um ato de coragem épica, quando na verdade foi mais um episódio de turismo político low-cost.

E quem liderava esta “floptilha” de pseudo-humanitaristas? A estrela do Bloquinho, a eterna revolucionária de sofá, Mariana Mortágua. A deputada que, mesmo sem aparecer no Parlamento, não falha o ordenado que vem dos descontos dos trabalhadores. Pois é, a mesma que se indigna com o “sistema capitalista explorador” parece não ter grandes problemas em usufruir do salário enquanto anda em passeio pelo Mediterrâneo.

Mortágua decidiu trocar o Parlamento por uma excursão “solidária” — versão política das viagens de finalistas, com direito a escala em festivais e publicações no Instagram. O país esperava que defendesse as causas do seu partido, mas preferiu defender o bronze. Afinal, o bloquismo também precisa de vitamina D.

A comitiva não podia ser mais curiosa: à deputada somavam-se um Miguel de nome pouco retido, uma atriz que o tempo fez questão de apagar dos créditos e um jovem cuja notoriedade ainda aguarda estreia. Um quarteto que soava mais a elenco experimental do que a missão humanitária.

Apesar dos avisos do Governo Português — que, por uma vez, até fez sentido — os quatro insistiram em ir. Resultado: acabaram detidos por Israel. Três dias de cativeiro “traumático”, com cobertores, comida e acesso às redes sociais. Tortura pura, claro. O mundo quase chorou ao ver Mortágua a twittar o seu sofrimento diretamente do cativeiro, informando a mamã que estava bem e sem dói-dói. Nelson Mandela certamente tremeria de emoção.

O regresso a Lisboa foi digno de telenovela. A comunicação social, servil como sempre, montou o espetáculo: lágrimas, abraços e declarações dramáticas sobre o sofrimento vivido. O país inteiro comoveu-se com os três dias de turismo forçado. Tudo filmado, claro — porque sofrimento sem câmara não conta. A epopeia estava completa — pena o país não ter percebido qual era o objetivo.

Enquanto isso, nas ruas, as hostes do costume aproveitaram o pretexto para bloquear estradas, subir a comboios e brincar ao Che Guevara urbano. Houve até quem testasse a teoria de Darwin ao escalar uma locomotiva elétrica — a seleção natural a trabalhar horas extra.

E no fim, claro, o Estado Português lá teve de ir buscar os quatro destemidos. Mas desta vez, com uma pontinha de bom senso, parece que o governo quer que paguem o repatriamento do próprio bolso. Justo. Portugal não tem de financiar férias revolucionárias.

A “missão humanitária” revelou-se, afinal, uma operação de autopromoção política. Uma tentativa de dar ao Bloco de Esquerda a relevância que perdeu nas urnas. Só que, em vez de ganhar prestígio, Mortágua ganhou foi uma medalha de hipocrisia. É fácil indignar-se contra Israel e o capitalismo quando se tem o salário pago pelo mesmo sistema que se condena.

E, curiosamente, não houve uma única palavra da deputada sobre o massacre de 7 de outubro, quando o Hamas atacou Israel. Parece que a indignação da esquerda é seletiva — depende de quem aperta o gatilho.

Portugal merecia melhor oposição, melhor esquerda e, sinceramente, melhor espetáculo. Mas com protagonistas destes, o drama da esquerda caviar dá-nos mais vontade de rir do que de votar.