A politização na Saúde

A minha mãe, infelizmente, já faleceu. Vítima de cancro. Felizmente para ela, tristemente para a família, daqueles que mal se dão para se perceber que o tinha, já que entre a confirmação da doença e o seu falecimento espaçaram dois meses, tal e qual a médica que a acompanha tinha vaticinado.

Nos dois meses e poucos dias de tratamento, tive oportunidade de a acompanhar nos tratamentos. Assisti à forma humana e eficiente como era tratada, ao profissionalismo de todos os médicos, enfermeiros e demais funcionários. Do primeiro momento ao seu último suspiro nada tenho a apontar de negativo, pelo contrário só tenho elogios a afirmar e agradecimentos a prestar.

Não lhe faltou qualquer medicamento, mas, durante os dois meses, deparei-me com um outro utente com falta de medicamento mais específico.

E eram eles próprios a me explicar que o hospital já tinha solicitado com antecedência o medicamento, quando até ainda os havia na farmácia hospitalar, mas que se tratavam de medicamentos muito raros e com muita procura, pelo que não era fácil obtê-los atempadamente. Ainda por cima para uma ilha, onde havia sempre o problema dos transportes.

Diziam-me também que não ficavam sem medicamentos. Eram-lhes dados outros, enquanto o desejado não chegava. Não ficavam sem tratamento.

Mas, logicamente, para quem sofre de um cancro e depende dos medicamentos para conseguir uma desejada cura, basta um dia para se uma eternidade. Basta um constrangimento em torno de um medicamento para ser um “balde água fria”.

Compreendo, pois, a mágoa e a aflição de quem espera pelo medicamento. Aceito plenamente a frustração e a desilusão da família.

Mas, já não aceito nem posso entender a politização do tema.

Porque temos de ser sérios: basta folhear os jornais norte-americanos, onde grande parte dos laboratórios têm as suas sedes, para perceber que também há ali constrangimentos, que há atrasos na entrega de certos fármacos.

E quem diz nos EUA pode falar também no Reino Unido, na Alemanha ou na França ou até nos países escandinavos. Porque, com as guerras em curso, muitos dos produtos usados nos fármacos estão a ser desviados para a guerra, indústria que, como se sabe, paga muito melhor.

Não bastava estas dificuldades por parte dos fornecedores, há a juntar os problemas com os transportes para um ilha e orçamentos aprovados tardiamente. Algo que, infelizmente, volta a acontecer. E uma gestão por duodécimos, que obriga a que não se possa investir mais do que no ano anterior, também traz graves transtornos.

Porque os medicamentos estão sempre a aumentar, há sempre medicamentos mais inovadores, mas também muito mais caros. Logo é cada vez mais preciso dinheiro para os medicamentos.

Saber de tudo isto e querer fazer política é feio, muito feio mesmo. Com a saúde não se brinca, sempre ouvi dizer. Com as dos outros também não.

Temos de ser sérios nestas questões.

Não podemos esquecer que em 2024 o Governo Regional gastou mais de 150 milhões de euros em medicamentos! Só para a área oncológica foram 30 milhões. Em 2023, só para se ter uma noção, tinha gasto 22 milhões (menos oito milhões) e em 2015 tinha gasto apenas seis milhões. Mais 24 milhões em nove anos! E para 2025 vai gastar ainda mais!

Não podemos também esquecer que existem 2.640 utentes oncológicos na Região e que o SESARAM realiza diariamente, a dispensa de medicamentos a cerca de 150 utentes. Podem-me, e com razão, dizer que basta faltar medicamento a um doente para ser grave, sobretudo para o próprio e para a sua família. Sim, é verdade. Não se pode é, como a Oposição infelizmente o fez, generalizar e dizer que faltam medicamentos para o cancro.

Não! Faltou um medicamento, que é utilizado por seis utentes. Falhas devidamente explicadas. Não podemos também esquecer que o medicamento ‘ENCORIFENIB’ é um dos 2900 produtos farmacêuticos do Formulário Hospitalar de Medicamentos. Sim, um de 2900. E todos os dias o Hospital tem de assegurar, gerir e garantir a medicação a centenas de pessoas.

Não, não é arranjar desculpas. É ver a verdade, sem aproveitamento político, compreendendo os doentes, mas também tendo a certeza de quem está no SESARAM dá o melhor de si, todos os dias, para que o medicamento não falte.

Quando se critica temos de ser sérios. Ser construtivos, avançar com possíveis soluções. Dizer que está mal é fácil. O difícil é entender porquê.

Os madeirenses dispensam maldades e aproveitamentos políticos. Sobretudo quando se tratam de assuntos sérios. E a nossa saúde é um caso muito sério!

Ângelo Silva