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Fact Check Madeira

Terá sido Albuquerque quem teve a “ideia louca” de construir mais um aeroporto na Madeira?

Foto Rui Silva/Aspress
Foto Rui Silva/Aspress

“Delírio”, "alucinação", “péssima” proposta e “ideia louca” que “só pode ser brincadeira”. Estas foram algumas das opiniões mais suaves manifestadas por cidadãos no Facebook em reacção às declarações do presidente do Governo Regional, que ontem lançou a ideia de construir um segundo aeroporto na Madeira. Foi mesmo a notícia mais lida no site do DIÁRIO nos últimos dois dias. Mas terá sido Miguel Albuquerque a primeira pessoa a avançar com a possibilidade da construção de uma infraestrutura alternativa ao Aeroporto da Madeira – Cristiano Ronaldo?

Logo à partida, há que assinalar que o próprio chefe do executivo madeirense reconheceu ontem que estava a ser ousado ao admitir a construção de um segundo aeroporto. “Pode ser uma ideia louca”, mas “temos de considerar esta ideia para o futuro que não é uma ideia descabida”, referiu Albuquerque na cerimónia de entrega de sistema de detecção de ventos no aeroporto. O governante justificou a necessidade de se equacionar uma alternativa com as limitações de operacionalidade provocadas pelo vento na actual infraestrutura aeroportuária. Apontou a freguesia da Fajã da Ovelha (Calheta) como um local apropriado para o novo aeroporto e lembrou que Tenerife, nas Canárias, tem dois aeroportos.

Estas declarações do presidente do Governo motivaram muitas dezenas de comentários nas redes sociais. Dois antigos deputados do PSD quiseram juntar-se à discussão. Sara André publicou um vídeo com ventania na sua freguesia e, de forma irónica, disse que era “mesmo boa ideia” fazer um “aeroporto na Fajã da Ovelha para fugir ao vento”. Já João Lemos Baptista reclamou que foi ele o ‘pai’ da ideia de um segundo aeroporto, a qual lançou em 2017 numa conferência na Calheta e, em jeito de brincadeira, refere que Albuquerque vai ter de lhe pagar os direitos de autor.

Na verdade, ainda antes de inaugurado o aeroporto da Madeira com as suas dimensões actuais – a cerimónia inaugural teve lugar a 15 de Setembro de 2000 – já se falava na necessidade de uma alternativa. Por exemplo, em 17 de Janeiro de 1999, o antigo colunista do DIÁRIO Duarte Jardim afirmava: “Que fique bem claro que não somos contra a construção de um ‘novo’ aeroporto em Santa Catarina. Mas pensamos que algumas dúvidas se apresentam no horizonte de Santa Catarina, onde não é possível construir uma segunda pista e o movimento de aeronaves sofre penalizações, por dificuldades de tráfego e de implementação de ‘taxi ways’, para tornar mais rápido o movimento. A falta de espaço é evidente e notória. Nos últimos tempos temos consultado diversas pessoas (técnicos destes assuntos) e alguns avançam já com a possibilidade de ser necessário, a prazo longo, a necessidade de construção de um segundo aeroporto na Madeira”.

Nessa altura, as limitações que se colocavam tinham a ver com a capacidade da infraestrutura em suportar um eventual aumento futuro do movimento de aeronaves e passageiros. Só a partir do ano 2015 é que as atenções se viraram para o factor do vento e do seu impacto na operacionalidade do aeroporto, isto após vários cancelamentos de voos e constrangimentos que afectaram milhares de passageiros. Foi por essa altura que o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) detectou uma tendência crescente do vento na zona de Santa Catarina.

Em Fevereiro de 2017, à margem de uma conferência na Calheta, João Lemos Baptista, presidente da Associação de Investigação Científica do Atlântico, defendeu que a Madeira devia apostar na construção de um segundo aeroporto e que a melhor localização para o mesmo seria aquele concelho da costa oeste. A ideia causou uma onda de críticas, incluindo da Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea, porque o antigo deputado chegou a referir-se a “manobras perigosas” que os pilotos alegadamente faziam no Aeroporto da Madeira.

Porque não construir na Calheta um Aeroporto alternativo ao do Funchal? Por vezes o aeroporto do Funchal está encerrado. Às vezes verificamos que há pilotos que fazem manobras perigosas pondo em risco o próprio futuro do turismo da Madeira. Se nós tivermos um azar naquele aeroporto poderá ser nefasto para a galinha dos ovos de ouro da Madeira. É que nós estamos a falar de um sector que representa quase 30 por cento do PIB da Madeira. Portanto, nós temos de ter muito cuidado com isto Presidente da Associação de Investigação Científica do Atlântico, João Lemos Baptista.

Sobre a possibilidade de ser estudada a construção de um novo aeroporto, em Agosto de 2017, o então secretário regional da Economia, Eduardo Jesus, considerou que era algo “prematuro, fora de tempo, porque há outras evoluções que têm de acontecer”, como o estudo dos limites de vento impostos aos pilotos no Aeroporto da Madeira, que vêm desde 1964. Em vez dessa hipótese, defendeu uma aposta num plano de contingência para os casos de inoperacionalidade do aeroporto da Madeira, com desvio dos voos para o Porto Santo e o transporte dos passageiros para o Funchal a fazer-se no navio ‘Lobo Marinho’.

A verdade é que 12 de Outubro de 2017, o bastonário da Ordem dos Engenheiros Técnicos, Augusto Ferreira Guedes, numa visita à Madeira, sugeriu a construção de um novo aeroporto. Este responsável disse que “a Madeira tem de pensar numa perspectiva de 20 a 30 anos” e ter uma alternativa a longo prazo, sendo que a construção de um novo aeroporto é uma possibilidade que devia ser alvo de estudo.

A Madeira não pode viver este constrangimento de um dia há vento e no outro há vento e perder prestígio, de as pessoas ficarem dois/três dias no aeroporto sem apoio, em que ninguém se responsabiliza Bastonário da Ordem dos Engenheiros Técnicos, Augusto Ferreira Guedes, em 12 de Outubro de 2017

A própria Ordem dos Engenheiros Técnicos fez estudos sobre este assunto. Meses mais tarde veio a concluir que a melhor opção seria manter o aeroporto do Porto Santo como a alternativa prioritária e não a construção de uma nova infraestrutura.

Curiosamente, quem voltou a pegar no assunto mais tarde foi Eduardo Jesus, mais concretamente a 5 de Maio de 2018. Poucos meses depois de ter saído do Governo Regional, numa remodelação do executivo de Albuquerque, o ex-secretário da Economia participou numa conferência na Escola Salesiana onde alertou que a inoperacionalidade do aeroporto era “o grande problema da Madeira”. Disse que como a construção de um novo aeroporto não era viável no curto prazo, era “obrigatório pensar” em alternativas.

Não há mais nenhum [problema] tão grave e tão importante como o da inoperacionalidade do Aeroporto e todos nós temos de ter a consciência da necessidade de ter uma solução o mais urgente possível Eduardo Jesus, ex-secretário regional da Economia, em 5 de Maio de 2018.

Nas páginas do DIÁRIO, João Lemos Baptista publicou, em 2018 e 2019, artigos de opinião sobre a necessidade de estudo de um novo aeroporto. Mas não foi a única pessoa a levantar essa ‘bandeira’. Por exemplo, o deputado municipal socialista Juvenal Rodrigues escrevia o seguinte a 5 de Maio de 2019: “É inexplicável que quando a Região necessita urgentemente de uma pista alternativa ao aeroporto da Madeira o Governo Regional vá fazer um campo de golfe no único lugar (creio eu) com condições para a tal alternativa”.

A questão chegou a ser levada ao parlamento regional por iniciativa do deputado Ricardo Lume (PCP), que apresentou uma proposta a pedir um estudo para a construção de um aeródromo. A iniciativa foi rejeitada na sessão de 14 de Março de 2019, com votos contra de PSD, CDS, PS e do deputado independente Gil Canha, abstenção do PTP e os votos a favor dos restantes partidos.

Em Janeiro do ano seguinte, no âmbito da discussão do Orçamento de Estado na Assembleia da República, o PCP propôs a construção de um aeródromo que sirva de apoio e alternativa ao Aeroporto Internacional da Madeira, ‘castigado’ muitas vezes pela inoperacionalidade em dias de vento forte. Entendiam os deputados comunistas que o Governo da República deveria garantir, já em 2020, a realização de estudos prévios para a construção de uma pista secundária na ilha da Madeira. A medida justificar-se-ia porque “não existe uma infraestrutura alternativa ou complementar”. Argumentou que a situação podia ser grave em caso de “fogos florestais ou em resposta extraordinária em matéria de segurança pública e de protecção civil, para respostas em situações extremas de emergência em que venha a ser imperioso salvaguardar ligações aéreas para entrada ou saída da ilha”.

A 8 de Junho de 2022, o antigo deputado do PSD Miguel de Sousa escrevia num artigo de opinião no DIÁRIO que “um novo aeroporto é uma opção estratégica que exige, pelo menos, reflexão”.

No ano passado, o DIÁRIO colocou este mesmo tema em debate público em dois momentos distintos. A 14 de Maio, um inquérito online sobre como resolver a inoperacionalidade do aeroporto da Madeira. Dos participantes, 31% considerou o melhor era usar o aeroporto do Porto Santo como alternativa, 24% achou que deviam ser revistos os limites de vento e 19% entendia que devia ser feito um novo aeroporto na Madeira.

Em 18 de Junho, foi publicado o resultado de uma sondagem em que uma das questões era sobre a melhor solução para a inoperacionalidade do aeroporto da Madeira provocada pelo mau tempo. O estudo de opinião, realizado pela Aximage e com base em 604 entrevistas efectivas, teve as seguintes respostas principais: 34% requalificar o aeroporto do Porto Santo e usá-lo como alternativa; 30% rever os limites actuais de vento; 12% não há nada a fazer; 11% fazer um novo aeroporto na Madeira; e 5% aplicar o plano de contingência.

Face a todo este historial, não se pode considerar que Miguel Albuquerque tenha inventado uma “ideia louca” quando ontem lançou para debate o assunto da construção de um segundo aeroporto na Madeira.

Construção de um segundo aeroporto na Madeira é uma "boa ideia só se for na cabeça dele (Albuquerque)" - Comentário no Facebook