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A escolha do “mal menor”

Creio que as maiorias absolutas existentes no atual sistema político nacional poucas ou nenhumas saudades deixaram aos portugueses

1. O Inverno, com o frio e agora chuva, chegou finalmente ao território continental lusitano e insular. Mas a atualidade política continua a aquecer o país (e Região) com os sucessivos casos de cunhas ao mais alto nível, acusações de alegada prevaricação e/ou por suspeitas de benefícios fiscais – entre outros que esperam a oportunidade certa (timing) para emergir –, os Congressos ou Convenções para eleger líderes políticos e a campanha eleitoral para mais uma eleição para nova composição da Assembleia da República, que já está aí e com determinação, nas ruas, televisões (nos noticiários e debates), nos jornais e nas dominantes redes sociais (que são peritas em construir realidades paralelas às quais os cidadãos se ligam de uma forma quase ‘pateta’, melhor, irracional).

Independentemente do que possamos pensar sobre este ou aquele líder político (ou candidato a deputado), nos últimos tempos duas coisas são para já evidentes para os que estão minimamente atentos ao mundo da política (nacional e regional): primeira, que existiu, no passado, um certo tipo ou qualidade de político (com valores/princípios, convicções, determinação, carisma, autoridade, grandeza, “conteúdo” e capacidade de expressão e intensidade…) que infelizmente já não existe; segunda, que a deterioração da classe política (assim como da doutrina liberal), simultâneo com o crescente descontentamento dos cidadãos relativamente ao regime democrático vigente (para muitos, já “obsoleto”) e o sobressair dos discursos ‘antissistema’ e populista, está invariavelmente a conduzir-nos para tempos muito perigosos onde o valor/primado da liberdade voltará a estar, seguramente, “intimidado”, para não dizer seriamente ameaçado.

Se é verdade que os mais novos não se sentem representados nos 230 deputados que têm assento na Assembleia da República (e não só) – e que alegadamente representam todos os cidadãos portugueses (a média de idade está acima dos 40 anos e o género masculino continua a dominar com perto de 65%, sendo que um partido extremista/radical, que se dispõe agora a formar governo, apenas tem na sua bancada uma única deputada) – nem os seus problemas, preocupações ou principais desafios do presente e futuro, então o atual clima de mais uma crise política, que intensifica o seu já consolidado descrédito, leva a que cada vez mais eleitores olhem para a nobre missão e “arte” da política com carregada desconfiança e abdiquem de nela querer participar através das mais diversas formas.

Os políticos “não são todos iguais ou maus”, como vulgarmente se diz ou escuta em certos círculos sociais. Há válidos e competentes, motivados pela procura e defesa do “Bem Comum”, pela entrega, luta e persistência de ideias, causas, projetos e/ou de respostas apropriadas para os problemas do país e que visam o seu desenvolvimento. Outros, infelizmente, na verdade estão é preocupados com os lugares que podem vir a ocupar na administração pública ou em cargos políticos eletivos, ou seja, na gestão (e futuro) da sua carreira política e daqueles que lhe são próximos e/ou que o ajudaram a chegar (ou manter) onde sempre sonharam. Por outras palavras, a satisfação do interesse ou benefício coletivo – e o efeito que tal fenómeno representa para um país como um todo e até para o próprio mundo que está mais uma vez mergulhado em guerras e tragédias de vária espécie – é e continua a ser, lastimavelmente, substituído por um egoísmo de carácter narcísico que não olha a meios (e a “leis”) para atingir os fins que para si fixou. Nalguns casos, a ganância, arrogância e uma engrandecida soberba são o resultado de anos a fio acoplados aos centros de decisão/poder e mostram que vivem numa bolha político-mediática onde a realidade dos que tentam, no dia-a-dia, sobreviver e levar uma vida (pelo menos) digna, ou não cabe ou tem escasso interesse. Os resultados deste e de outros erros por parte de uma classe política “dita moderada” estão aí, e a velha política não está a saber responder às novas interpretações da realidade e às diversas exigências dos cidadãos do século XXI.

2. Creio que as maiorias absolutas existentes no atual sistema político nacional poucas ou nenhumas saudades deixaram aos portugueses, e a de António Costa não foge à regra. Esta última implodiu – seja porque o Chefe de Estado anteviu (e ditou) que um Governo de um só partido com maioria absoluta, tem, por inerência, “responsabilidade absoluta”; seja porque a Procuradora-geral, Lucília Gago, tomou a decisão de incluir um parágrafo, num comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), onde revelava a abertura de um inquérito criminal, no Supremo Tribunal de Justiça, que visava o primeiro-ministro. Apesar das contas certas, de uma dívida pública já abaixo ou nos 100% do produto interno bruto (PIB), mas com um Serviço Nacional de Saúde à beira de um precipício (o que diria António Arnaut agora?) e de várias escolas do país (e turmas de alunos) ainda com professores por colocar…, mais uma vez caímos num período de tensão política, de desconfiança nas instituições e regressa de novo o famigerado “pântano político”, que repetida e infelizmente tem origem nos partidos do arco-da-governação. Todavia, nesta ocasião esta instabilidade institucional (crise) servirá particularmente para ampliar e demonstrar a vantagem competitiva em que se encontram os partidos extremistas ou radicais, em particular aquele que sustenta a sua ação numa propaganda populista que recorre ao preconceito, ódio, ao insulto, negacionismo, ao(s) nacionalismo(s), medo, à “palhaçada”, ao conflito, à difamação… para captar a atenção e o interesse dos descontentes e, em especial, dos enfurecidos com o regime (e até os já afastados da política), mas também a promessas ilusionistas e a uma narrativa de pós-verdade. A mentira e desinformação continuamente lançada sobre a opinião pública (através dos media e redes sociais) intenta minar o sistema e mostrar como as elites são/foram incompetentes, corruptas, inábeis e não têm a energia necessária para mudar o país. Só um líder forte, descomprometido, apto, determinado e “abençoado” pode inverter (ou romper) as regras estabelecidas e trazer de novo esperança aos cidadãos. Simplificando, na nova “política do espetáculo”, o palco (ambiente) já está montado e os atores estão em cena. Se algo correr mal – e tem tudo para correr (mesmo) mal – então, provavelmente e como é costume, ninguém será responsável por nada e os portugueses aguentam, “ai aguentam, aguentam”.

3. Para os que fazem questão de preservar um pouco a memória (histórica), em 1986, numa segunda volta para a eleição do mais alto representante do Estado, disputada entre os candidatos Mário Soares e Freitas do Amaral, os comunistas, que não nutriam grande simpatia por nenhum dos dois candidatos, optaram por votar no “menor de dois males”. «Se for preciso tapem a cara (de Mário Soares) no boletim de voto com uma mão e votem com a outra», pediu, na altura, o emblemático líder do PCP, Álvaro Cunhal. Ora, no próximo dia 10 de março, precisamente no ano em que celebramos os 50 anos do 25 de Abril de 1974 e da reconquista da Liberdade – e num tempo em que assistimos à ascensão dos populismos e da intolerância um pouco por todos os continentes –, será talvez conveniente repetirmos (e seguirmos) a sugestão de Álvaro Cunhal e votarmos no “mal menor”, isto é, naqueles candidatos que nos podem assegurar algum equilíbrio/estabilidade e não naquele que tudo faz para atrair as atenções e se comporta como one man show neste cada vez mais penoso espetáculo que é a política portuguesa.