Análise

O eleitor que se pronuncie

Persistem as deploráveis atitudes de tentar comprar votos com benesses

As autonomias regionais não são ainda compreendidas – e muitas vezes até toleradas – por uma parte significativa dos decisores instalados em Lisboa, muitos deles nem eleitos são directamente pelo povo. Se é verdade a guerrilha declarada pela Madeira contra (quase) todos os poderes da República, qual arma de arremesso político, com os dividendos de todos conhecidos, subsiste também uma mancha razoável no continente que considera Madeira e Açores como ilhas adjacentes ou distritos distanciados. O número de eleitores não os obriga a um empenho maior, o que é profundamente injusto para com os portugueses residentes nas regiões autónomas, designadas como tal desde 1976.

O comportamento do Tribunal Constitucional é prova disso. Têm razão as autoridades regionais da Madeira e dos Açores que se revoltaram com a mais recente decisão dos juízes do Palácio Ratton, na questão da nova Lei da Droga. É incompreensível a insensibilidade manifestada numa questão que aflige e muito a população e as entidades sanitárias das duas regiões autónomas. Os números falam por si. Dois terços das novas drogas detectadas em Portugal estão nas ilhas, como revelou o jornal Público, que teve acesso aos dados do Laboratório da Polícia Científica da Polícia Judiciária. Só por si, isso deveria ser suficiente para que Madeira e Açores tivessem sido ouvidas na lei, entretanto promulgada pelo Presidente da República. Legalismos à parte, o TC não deve escamotear a realidade, dramática, existente nas duas regiões no que concerne às Novas Substâncias Psicoactivas. A validação da lei poderia acontecer, mas sem fazer tábua-rasa da opinião da população insular, que conhece como ninguém os dramas associados ao consumo de ‘bloom’ e derivados. Diz quem sabe que esta nova lei vai trazer mais droga para as ruas, potenciando, por via disso, os internamentos e o aumento dos gastos no tratamento dos seus dependentes.

Na Madeira, o consumo de drogas sintéticas é bastante expressivo e já motivou quase 100 internamentos, este ano, na Casa de Saúde São João de Deus. Entre Janeiro de 2012 e Junho de 2023, o total de internamentos na Região foi de 1.890, dos quais 1.158 compulsivos.

Não se compreende, por isso, a miopia dos juízes do Constitucional, que segundo declarou o seu presidente “a matéria (em discussão) não se apresenta como envolvendo questões respeitantes às regiões autónomas”. Sim, não é exclusiva das ilhas, mas dizem-lhes e muito respeito, como comprovam os números e constituem uma questão séria de saúde pública. Os órgãos de governo próprio teriam de ser consultados. Esta decisão do TC é perigosa e abre um precedente preocupante.

Para além de que, com a nova lei, na prática, as quantidades de droga que eram consideradas tráfico, com a consequente acção penal, deixam de ser uma prova suficiente. Isso vai dificultar ainda mais o trabalho das polícias e dos tribunais e facilitar a vida aos traficantes.

Esta decisão, que descriminaliza o consumo das drogas sintéticas, caindo nas vésperas das eleições regionais da Madeira poderá ter alguma influência nas urnas, porque são muitas as famílias com casos dramáticos no seu seio que não vão compreender este ‘facilitismo’ legal à maldição das drogas.

2. Há tiques e hábitos que efectivamente nunca mudam, apesar da maturidade democrática em que pretensamente vivemos. Persistem as velhinhas e deploráveis atitudes de tentar comprar votos com benesses financeiras, nas vésperas das eleições. O anúncio de novos apoios, de aumento de ajudas e do pagamento de subsídios por parte de quem manda, como por exemplo o do covid aos profissionais de Saúde, até meados deste mês, é fastidioso e criticável. Ou vamos todos acreditar que tudo não passa de mera coincidência e de uma boa gestão da tesouraria pública? Os eleitores que decidam, mas mereciam, sim, mais respeito e consideração.