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Política migratória: O calcanhar de Aquiles da Europa?

Os relatos e as imagens dos recentes naufrágios no Mar Mediterrâneo não deixam ninguém indiferente. No mês de junho, após o acordo político alcançado pelos Estados-Membros no Conselho de Assuntos Internos, em Bruxelas, sobre dois pilares centrais do Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo (o regulamento relativo à gestão do asilo e da migração e o regulamento sobre o procedimento de asilo), desapareciam mais de 500 migrantes a bordo de um barco de pesca nas costas gregas. Uma tragédia à qual se une o recente naufrágio nas costas da Lampedusa, em Itália, que ceifou 41 vidas.

Apesar dos esforços conjuntos, a Europa parece não encontrar soluções para fazer frente à situação da que é considerada a rota migratória mais mortífera do mundo. Conforme dados do projeto Missing Migrants da Organização Internacional para Migrações (OIM) são já 27.845 migrantes desaparecidos em águas do Mediterrâneo, nos últimos nove anos.

Em 2021, tive a oportunidade de integrar uma comitiva que se deslocou ao arquipélago espanhol das Canárias para conhecer em primeira mão os testemunhos de migrantes que chegaram por via marítima. Esta visita permitiu-me constatar os esforços das autoridades locais para os instalar em centros de acolhimento improvisados em escolas e tendas, insuficientes para gerir o fluxo de 23 mil pessoas que deram entrada em menos de um ano.

O arquipélago canário não estava preparado para a mudança da rota de entrada na Europa por parte das redes de tráfico de imigrantes. Esta situação viu-se refletida numa taxa de crescimento de 756,8% no número de entradas durante 2020, de acordo com o relatório sobre migração irregular do Ministério do Interior espanhol

As ilhas são consideradas pontos estratégicos na rota das redes de tráfico de imigrantes que operam no Mediterrâneo e que estudam de forma constante a melhor forma de arribar ao território europeu.

Até agora, a Madeira não tem conhecido de perto esta realidade, mas a distância que a separa da ilha espanhola de las Palmas de Gran Canária é de 536 quilómetros. Uma distância que as máfias poderiam estar dispostas a percorrer, se a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) intensificar a vigilância nas rotas clássicas de entrada de migrantes por via marítima na Europa, tais como a do Mediterrâneo Central ou a do Mediterrâneo Ocidental.

O debate sobre o Pacto Europeu de Migração e Asilo não é só uma questão de direitos das pessoas migrantes, é uma questão de direitos humanos. E não vale a pena assobiar para o lado, porque a Madeira pode passar de ser um ponto de partida a um porto de chegada.