Artigos

Aventuras e desventuras de um menino do coro

O mês de Agosto, normalmente é para a maioria das pessoas, sinónimo de férias, repouso, descanso; isto, porque coincide com as férias escolares, o que de alguma forma e independentemente das condições financeiras, acaba por condicionar a vida das Famílias.

Ora, ao preparar o artigo para este mês, tive isso em conta. E porquê?

Para tentar encontrar alguma coisa, leve e que seja de leitura fácil e que de alguma maneira, divirta as pessoas, ou seja que no mínimo “obrigue” as pessoas a sorrir, já basta os momentos pesados que nos obrigam a viver ao longo do ano. Isto em termos de gestão, é o que se chama a preocupação com a satisfação do cliente ... É o mínimo, que eu devo a quem, usufrui do que escrevo e tem paciência de me ler.

Todos nós, temos momentos e recordações das nossas infâncias que ficaram para a vida. Eu não fui excepção e vou partilhar hoje convosco, a minha experiência e vivência como menino do coro.

Os mais jovens perguntarão, o que é isso de “menino do coro”?

Na Igreja católica, há muitos anos, havia essa figura que ajudava à missa e cantava no coro, daí o nome e que usava uma batina vermelha até aos pés e a que se sobrepunha na parte superior do corpo, um roquete litúrgico branco, que ainda hoje é usado pelos padres, quando celebram determinadas funções, como por exemplo o terço.

A minha avó Dolores que era Mãe da minha Mãe e também ela, tinham convicções religiosas muito fortes e claro, como todas as Avós e Mães, depositavam grandes esperanças em mim, o que além de normal, não deixava de ser natural. O pior foi o resto, como se verá!

Havia uma relação da nossa Família, muito chegada com o Sr. Cónego Jorge, homem bom, bonacheirão e muito bondoso, à época Vigário da Sé; que assim que tomou conhecimento, daquela pretensão e da minha hipotética, nova “vocação”, apressou-se a lhe dar forma.

Recebi durante algum tempo, alguma preparação e treino, até porque na altura, para ajudar e responder à Missa era em Latim e eu tinha 8/9 anos de idade. Finalmente, chegou o grande dia de ajudar sózinho, o que se chama, na aviação “ser largado”(voar só pela primeira vez) e lá fui eu, convicto do meu “papel”, que só a inocência da criança que eu era e as expectativas familiares criadas, o permitiram.

A minha estreia foi na Sé Catedral, na Capelinha do Santíssimo que fica encostada à sacristia. Dada a importância da cerimónia, até o meu Pai, que não era frequentador habitual daqueles ambientes, compareceu.

Tudo corria bem, até que em determinado momento, fazia parte do ritual, subir ao altar, pegar na armação que sustinha o livro, bem pesado por sinal, visto a sua encadernação, ser chapeada nos cantos a ferro, descer com o mesmo 3/4 degraus, fazer uma genuflexão no piso inferior e voltar a subir com o livro, do outro lado os mesmos 3/4 degraus e colocá-lo sobre o altar; mas eis, que ao começar a descer, concentrado no peso do livro, que transportava com ambas as mãos à minha frente, tropecei nas saias e vim atrás do livro, em madeirense “aduspenso do ar”, aterrando eu e o dito livro no piso inferior, vencidos aqueles malfadados 3/4 degraus, sem lhes tocar e ficando completamente estendido no chão, amarfanhado e envergonhado.

Uma vergonha e humilhação, ainda ouvindo na minha memória, as gargalhadas do meu Pai que dado o insólito da situação, não as conseguiu conter.

Mas, como dizia um poeta popular que li algures …”A alma iluminada traz o júbilo e um coração de bons fluidos, como as águas, flui solto e distraído” …

Além disso, tive a felicidade e o privilégio de ter, juntamente com os meus irmãos, uma Mãe fantástica que nos educou e que foi um exemplo, daquilo que hoje se chama resiliência e que na época era mais, força, resistência ás adversidades, superação e para quem - desistir não era opção. Nunca.

Então, após a primeira experiência desastrada, que poderia ter sido traumática, prossegui na minha actividade com entusiasmo e ganhando confiança ao longo do tempo.

A certa altura, a minha “confiança e destreza” eram tais, que na hora da comunhão e quando acompanhava com a bandeja a distribuição da hóstia sagrada, se tinha pela frente a minha Avó, Mãe, Irmã, Tias ou primas aproveitava, aquele momento de “impunidade e liberdade” para, com a bandeja lhes fazer disfarçadamente cócegas na chamada papada, o que provocava dependendo das personagens, desde esgares e olhares reprovadores até, risos mal contidos a sorrisos cúmplices; aqueles momentos, davam-me uma sensação de poder e domínio aos quais, não conseguia resistir. Claro, até chegar a casa e por vezes ter de me encontrar com o “cipó”, que era um apetrecho que, na época me visitava com alguma frequência...

Gostava muito de rebuçados de funcho e levava, por vezes, um saquinho para ir chupando, mas, como compreenderão durante a Missa, não era de bom tom; então a certa altura descobri, que quando tocava a campainha para o “levantar a Deus”, primeiro a Hóstia e depois o Cálice, as pessoas levantavam a cabeça e depois faziam uma vénia, baixando a mesma durante algum tempo, tempo esse, aproveitado por mim, para meter alguns rebuçados na boca em simultâneo...

Isto hoje, já vai demasiado longo, mas, antes de terminar ainda vou tentar, já “abusando” um coisão, dos caracteres que me estão destinados, acomodar 2 peripécias especiais e para finalizar.

A certa altura já “rodado” na actividade e como frequentava o “Caroço”, fui convidado para ajudar na Igreja de São Pedro. Um dia na sacristia, tinha ido buscar o insensário, para fazer umas bênçãos com distribuição de insenso e na perspectiva de activar a chama do carvão para tê-la bem incandescente, resolvi rodá-lo velozmente e por cima da cabeça, tipo o lançamento do martelo, até que uma das correntes cedeu, com o maldito aparelho a voar velozmente, enchendo e espalhando carvão incandescente por toda a sacristia ...Podem imaginar a minha aflição!

A minha “carreira” teve o seu terminus ou epílogo, em S. Pedro; um dia durante a comunhão que estava a ser dada pelo Sr. Padre Manuel, que era o Vigário e uma figura, especial e particular que os mais antigos recordarão seguramente, muito aficionado ao vinho da Missa, por vezes antes, durante e especialmente depois e que na sua pressa de executar a função, me estava a causar dificuldade para acompanhar com a bandeja. Até que, em determinado momento a Hóstia, que não teve tempo de encontrar a boca aberta, da senhora que esperava ansiosamente por Ela, bateu na bochecha e caiu no chão, pois a bandeja não cumpriu atempadamente a sua função.

Ora, nesse tempo a Hóstia cair no chão, era grave e provocava todo um ritual adequado a esse momento.

O homem resolveu atribuir-me as culpas pelo acidente, em frente à plateia dos fiéis, tornando-me no chamado “bode expiatório” e eu, com 12 anos e pese a minha queda especial para “criança travessa”, com laivos por vezes, de “vasilha torta” senti-me injustiçado e indignado.

Deixei-o a falar só, fui à sacristia despi as vestes e auto despedi-me!

Nem sempre o ditado popular ...”maus princípios, bons acabamentos” é verdadeiro. E aqui muito claramente não foi! O princípio foi mau, o final péssimo, mas, sei que Deus gostou do meu trajecto e trabalho! E no fim do dia, foi o que contou!!!