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Obrigado e até sempre.

Houve um tempo em que a ideia era mais simbólica, apelando a valores intangíveis, a princípios, de certo modo, vagos

Escrevo no Diário de Notícias há perto de 30 anos. Quase sempre sobre ambiente, tentando responder a esse antigo convite que se iniciou em encontro de ocasião em plena Rua das Pretas. A ideia era incluir a temática ambiental no contributo que o Diário tenta promover através da opinião. Três décadas são algum tempo e permitem verificar variações, diferenças, perspectivas, prioridades e abordagens diversas a conceitos que também se transformam. No que diz respeito ao ambiente, houve um tempo em que a ideia era mais simbólica, apelando a valores intangíveis, a princípios, de certo modo, vagos, até elitistas, como se o tema fosse propriedade de grupos determinados, intelectualizados ou, pior ainda, forma de fazer política que separava em vez de juntar em torno de causa comum. O simbolismo de um elemento específico foi dando lugar a convergência integradora, fazendo com que o lobo marinho ou o pombo trocaz dessem espaço à floresta, à zona costeira, tal como o olhar particular sobre o lixo se mudou para a gestão integrada de resíduos e qualidade ambiental, apelando a integração com energia e água, passos decisivos no entendimento da transversalidade do ambiente face a outras dimensões do desenvolvimento socioeconómico. A necessidade de uma governança adequada, orgânica e funcionalmente capaz de assegurar essa transversalidade e eficiência é outra das novidades entretanto aparecidas nas últimas décadas. Em resumo, trinta anos, é mais do que suficiente para que o objecto sobre o qual se reflecte tenha mudado tanto quanto o contexto em que se insere, determinando alguma capacidade adaptativa e exigência como forma de responder ao que foi solicitado e, sobretudo, ao que de útil pode ser, em particular na proposta de debate e reflexão.

Este artigo sairá dia 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, coincidência interessante, ou então olhar atento, como sempre, de quem dirige o DN. É o último dos meus artigos de opinião no Diário, pelo menos de forma regular, face a exigência decorrente de funções que passo a exercer a partir do próximo mês.

Aproveito o momento para agradecer ao Diário enquanto instituição mas em particular a pessoas, porque são elas que fazem as instituições e lhe dão carácter. Em 30 anos foram muitas pelo que a justiça determina que se refira o início, neste caso Luís Calisto e o Rui Marote, responsáveis pelo convite, e já mais perto de hoje, José Câmara e Ricardo Oliveira. A estes, que representam todos os que no Diário me privilegiaram sempre com a maior cordialidade e acolhimento, devo a absoluta liberdade para escrever o que quis, mesmo quando não em linha com a tendência da moda” (chamemos-lhe assim). Um secretariado paciente e atento, independentemente de quem lá esteve nestas três décadas assegurou o cumprimento de datas e a adequação aos limites de espaço e caracteres. Muito obrigado ao Diário.

Aos leitores, que também foram mudando, a minha gratidão pelos comentários, ideias, sugestões e incentivos, que por e-mail ou na rua me foram dando e que muitas vezes contribuíram para melhorar e aprender. Fica também o registo da crítica negativa, legítima, filosófica e estruturada ou meramente visceral, sem qualquer conteúdo, com a utilidade de nos recordar que a razão não é a única característica determinante da espécie humana. Aprendi, nestes trinta anos, que ter opinião é expor-se, é sujeitar-se a um escrutínio com ou sem critério. Uma palavra ou uma curta frase no meio de um artigo é o suficiente para fazer alguém espumar de alegria ou de ódio, com efeitos retroactivos ou proactivos. É por isso que utilizo particularmente o espaço de opinião para avaliar um jornal, apreciando os articulistas, a sua genuína disponibilidade e capacidade de se deixar julgar.

Já sobre o propósito espero que, em trinta anos, alguns artigos, algumas palavras possam ter contribuído para a reflexão e diálogo sobre a importância de se considerar o ambiente como um pilar do desenvolvimento socioeconómico e não como um luxo ou tema a que se devota alguma atenção quando o que se considera mais importante está tratado. Em boa verdade o desenvolvimento só o será se, e quando, entendermos que o bem estar e qualidade de vida das pessoas depende da qualidade ambiental e que sem ambiente não há economia, produtividade e riqueza para poder ser distribuída.