É preciso arrepiar caminho

A vida é o caminho para o qual não há bússola nem mapa. Cada um de nós empreende a viagem sem saber sequer qual a rota. Uns são empurrados levemente, outros por um vendaval e outros nem têm força nem coragem para sair do ancoradouro, por temer a tempestade. Somos todos a sociedade. A sociedade que fizemos exige que tenhamos garras de leão e habilidades camaleónicas para nos relacionarmos uns com os outros, predicados que não estão ao alcance de todos.

À volta dos que têm algum poder aglomeram-se os cúmplices, os aduladores, os hipócritas, para os quais não há obstáculos intransponíveis. Depois há os outros, uma parcela incomensurável, que vive mal e paga uma pesada factura na qualidade da alimentação, da habitação, da saúde e na indisponibilidade de acesso às mais elementares necessidades. Muitos até têm emprego que, hoje, não constitui factor de exclusão da pobreza.

É fácil apertar as mãos aos pobres, marginalizados ou menos bafejados pela sorte. Difícil é reter o seu calor.

Quantas tragédias teriam sido evitatadas se déssemos mais vezes as mãos e não as esquecêssemos.

Quando somos surpreendidos pela notícia de que mais uma vida se perdeu, contrariando a ordem natural das coisas, tratando-se alguém na primavera da vida, é maior o choque e infinita a revolta. Será pertinente, talvez, reflectirmos se, na presença destes casos, não teremos uma quota parte de responsabilidade, atendendo à nossa condição e forma de actuação como pais, educadores, amigos, profissionais de saúde ...

Não teríamos todos falhado por omissão, distracção, desvalorização, porque andávamos entretidos ao olhar para o nosso umbigo? Não falhámos quando olhámos sem ver, ouvimos sem escutar e não percebemos ou desvalorizámos os sinais?

Com certeza todos nós presumimos que motivos levam tantos jovens ao desânimo, ao enveredar por caminhos ilícitos e em última análise ao desespero fatal. É preciso ter uma estrutura mental/emocional/familiar muito robusta para não soçobrar perante as adversidades. Nem todos estão preparados para saber lidar com a frustração quando as coisas não correm bem.

Nem todos têm o acompanhamento psicológico e psiquiátrico que precisam.

A Saúde Mental está gravemente doente e o diagnóstico não é meu. Não pode cair no esquecimento e nunca será demais insistir no tema até que seja visível uma tomada de posição, firme e clara no sentido de evitar que assistamos com tanta frequência a situações confrangedoras de comportamento pouco recomendável e a mais perda de vidas.

Se não há culpados, também não há inocentes. Todos somos sociedade. E não é sinal de saúde estar bem acomodado a uma sociedade doente.

Nada nos garante que não possa bater à nossa porta.

Madalena Castro