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Advogados percorrem Antáquia rua a rua à procura de provas para casos criminais

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Foto EPA

Advogados turcos percorrem Antáquia e outras cidades gravemente afetadas pelo sismo da Turquia, rua a rua, para recolher provas e dados para futuros casos criminais contra construtores e autoridades públicas.

A justiça turca criou uma unidade especial para investigar possíveis casos de negligência na construção dos milhares de edifícios que desabaram com o sismo de 06 de fevereiro e já emitiu mais de 100 mandados de detenção, segundo anunciou, no domingo passado, o vice-Presidente da Turquia, Fuat Oktay. Detenções foram já confirmadas nas províncias de Gaziantep e Sanliurfa, nomeadamente de empreiteiros e de engenheiros civis.

A agência Lusa encontrou em Antáquia um grupo de advogados, a maioria pertencentes à associação regional de Istambul da Ordem dos Advogados turca, que andavam desde segunda-feira a percorrer todas as ruas daquela cidade de meio milhão de habitantes, para tentar registar e recolher provas e dados que possam ser usados no futuro contra possíveis responsáveis pelas mortes do sismo, cujo balanço provisório oficial já supera as 35 mil vítimas mortais só na Turquia.

Na quinta-feira, a própria Ordem dos Advogados turca defendeu que toda a prova de negligência na zona afetada deve ser preservada e registada, numa altura em que o entulho já começava a ser removido das cidades e cujas operações apenas aceleraram desde então.

Várias das associações regionais da Ordem dos Advogados têm apelado à constituição de grupos de voluntários para estarem no terreno, no sudeste da Turquia, a recolher provas.

No pequeno grupo de advogados com quem a agência Lusa conversou em Antáquia, ninguém quis dar o seu nome, com medo de represálias por parte do Governo liderado pelo Presidente Recep Tayyip Erdogan.

No entanto, uma advogada de Istambul falou com a Lusa e explicou que aquele grupo estava em Antáquia desde segunda-feira, tendo percorrido apenas nesse dia 50 quilómetros a pé, para registar o que aconteceu, mas também o que se passa na cidade, nomeadamente a ajuda prestada aos sobreviventes.

"A ajuda não é suficiente e veio demasiado tarde. Viemos todos demasiado tarde. Aqui, [o apoio do Governo] chegou apenas no terceiro e quarto dias. Estamos no nono dia e ainda estão a tentar tirar corpos debaixo dos edifícios. É tudo tão trágico", disse à agência Lusa a advogada.

Chegou na segunda-feira, de autocarro, a partir de Istambul, depois de ter tentado antes dirigir-se a Antáquia, mas não ter conseguido permissão para tal, afirma.

"Como cidadã deste país, tenho vergonha do que vejo aqui", afirmou, apontando para o cenário de Antáquia, uma cidade que, vinca, "desapareceu".

De cigarro na mão, discurso rápido e urgente, a advogada sublinhou que a responsabilidade não será apenas dos construtores -- que têm sido os principais alvos do Governo após o sismo -, mas também dos políticos.

"Gostam de dizer que isto não é um caso político, mas é, porque os políticos são responsáveis pela segurança dos seus cidadãos e temos dezenas de milhares de mortos. São coisas que temos de examinar, detetar, compreender e, depois, encontrar as pessoas responsáveis por este pesadelo horrível", disse.

"Isto é tudo demasiado novo, demasiado fresco", referiu, acrescentando: "O tempo, agora, é de cura".

"Toda a gente aqui parece estar tão forte, de costas direitas, tão poderosa, mas estamos todos traumatizados. Depois de nos curarmos, temos de falar dos problemas, temos de falar das soluções, compensar as pessoas afetadas e precisamos de reconstruir estas cidades", sublinhou.

A 10 de fevereiro, o Presidente Erdogan reconheceu pela primeira vez que os trabalhos de socorro não estavam a acontecer "tão rapidamente como seria esperado", quando passavam cinco dias do sismo.

Vários órgãos de informação têm dado nota das críticas de habitantes da região contra a demora na resposta do Governo.

No sudeste da Anatólia, com exceção de Antáquia e de distritos vizinhos costeiros, onde o principal partido de oposição, o Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata), tem alguma força, a maioria da região é conservadora, dando regularmente vitórias ao partido de Erdogan, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP).

No terreno, alguns populares, depois de dizerem à agência Lusa quantos dias demorou a ajuda do Governo a chegar às suas cidades, fizeram questão de, mesmo assim, lhe agradecer todo o esforço prestado.