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PR diz que declarações que fez em Outubro acabaram por incentivar denúncias de abusos

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O Presidente da República considerou hoje existir em Portugal uma "cultura dominante de segredo" e afirmou que as declarações que fez em outubro sobre os abusos sexuais na Igreja Católica acabaram por ser "um incentivo" para as denúncias.

"Acho que acabou por ser, como consequência, um incentivo objetivo, não era essa a ideia, mas objetivo à denúncia", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa em declarações aos jornalistas no final de mais uma edição da iniciativa "Músicos no Palácio de Belém".

O chefe de Estado apontou hoje que "um dos problemas que a comissão enfrentou, e que a sociedade enfrenta, com uma cultura dominante de segredo, de medo, de não denúncia, é a dificuldade de levar as próprias e os próprios a denunciar".

"O facto de ter havido, haver e o próprio relatório ser um estímulo para o futuro, para haver mais [denúncias], tornara natural uma intervenção cívica de controlo, de censura e de denúncia, isso é um passo cultural muito importante numa sociedade muito fechada, com muito temor, com muitas limitações e com muito medo", referiu Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República foi questionado sobre conclusões do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que indica que uma "quantidade significativa" de vítimas decidiu testemunhar por considerar "revoltantes" notícias como as das declarações do Presidente da República em outubro de 2022.

Face à pergunta do inquérito realizado pela comissão sobre o porquê de dar o seu testemunho, o relatório divulgado na segunda-feira refere que "houve uma quantidade significativa de pessoas abusadas que decidiram fazer o seu testemunho perante notícias que, em certos momentos, incluíram declarações de diversas figuras públicas que as deixaram "incrédulas", considerando-as "insultuosas", "revoltantes" e "inadmissíveis".

Em outubro, o Presidente da República afirmou, a propósito do número de testemunhos de abusos sexuais recolhidos até à altura, que haver 400 casos não lhe parecia "particularmente elevado, porque noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos".

Estas palavras foram condenadas de imediato nas redes sociais por dirigentes e deputados da esquerda à direita, mas Marcelo Rebelo de Sousa foi defendido pelo primeiro-ministro, António Costa, que lhe manifestou solidariedade e rejeitou que tivesse de pedir desculpa.

O Presidente da República acabou no entanto a desculpar-se perante as vítimas, "se porventura entenderam, uma que seja das vítimas, que está ofendida" e em várias ocasiões, e disse que a sua intenção era salientar que o número de queixas está abaixo do que estima ser a realidade de casos em Portugal.

Hoje, Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado também sobre a proposta de aumentar a prescrição dos crimes de abuso e afirmou que esse é "um debate que depois do balanço feito agora por todos, a Assembleia da República, o próprio Governo, poderão desencadear".

Sobre a constituição de uma nova comissão para estudar o tema, com membros internos e externos à Igreja e que se debruce sobre outras áreas, como o desporto ou o meio escolar, Marcelo Rebelo de Sousa disse que a comissão independente alertou que "na sociedade portuguesa existia, e porventura existe ainda, uma ideia de impunidade ou de não denúncia em atividades muito variadas, desportivas, de lazer, ligadas a outras instituições, e que essa cultura cívica de facto é fundamental que seja ultrapassado".

"E por isso é que uma comissão proposta, como eles propõem, ligada ao Estado tem um espaço de manobra que não tem uma comissão ligada apenas a uma instituição religiosa", considerou.