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Seriedade a menos

O que se tem passado no país nas últimas semanas confirma aquilo que a maioria dos portugueses já percebeu há muito, nomeadamente que temos um Estado asfixiado por redes tentaculares de compadrio, delapidado por esquemas de corrupção e enxameado por ‘chefes do aparelho’, que se apoderam da Causa Pública para promover, não só o seu carreirismo por conta do erário público, mas também negociatas e jogos de influência. Que o Estado se tenha tornado no alvo apetecido dessa estirpe de gente, cujo modo de actuação está ao nível de carteiristas, que usurpam a carteira do dinheiro público na base de alguns milhões para cima, também sublinha que o que temos em Portugal não é, meramente, um caso de Justiça, nem, tão pouco, uma situação de falta de ética na política. O que temos, na realidade, é uma profunda crise de regime, e, enquanto os partidos continuarem a ignorá-la, a assobiar para o lado e a não a resolver em toda a sua amplitude e profundidade, continuaremos a viver uma grande farsa sobre a democracia, com os cidadãos a serem tratados como idiotas úteis. Mas, como é que chegámos aqui?

A resposta está algures entre uma Esquerda irresponsável, certa Direita dominada por interesses, um centrão perdido na indiferença e sucessivos governos que se fizeram propositadamente complexos, virados para dentro de si mesmos e que fatalmente viraram as costas às pessoas. A resposta está, também, nesta nossa democracia com baixo nível de cidadania, onde a critica descamba para o insulto pessoal, onde faltam ideias ao espaço público e onde a comunicação social, quando não é pura miséria, fala apenas a voz do seu dono. A resposta está, por fim, na nossa própria sociedade, onde pensar diferente tornou-se indecente, onde a ignorância impera, onde os absurdos são mais eficazes que a verdade e onde as almas vulgares impõem-nos, dia a dia e hora a hora, a sua própria vulgaridade. Sim, o país está a afundar. Mas nós, também, não parecemos estar assim tão incomodados com a água que já nos tapa o nariz. A mensalidade da casa dobrou, as pessoas morrem à porta dos hospitais, os idosos continuam despejados em lares ou abandonados, temos impostos que nos sugam até à medula e as nossas crianças são doutrinadas em sexualidade precoce e levadas a acreditar que cabe a elas, e não à genética, decidir se são rapaz, rapariga, animal ou qualquer outra coisa. Mesmo assim, o mais importante parece ser o jogo da bola ou onde se vai marchar pelo orgulho. Certo? No lamentável afã de muitos dos nossos políticos em dar ao debate público um tratamento comicieiro, propagandístico e politicamente motivado, sucessivos governos têm perdido o foco, a determinação, a dignidade e, por fim, a capacidade de trabalhar de forma séria no futuro que muito nos preocupa, pois o passado não nos traz nada de novo e o presente continua ser marcado por disparidades, especulação e pobreza. Por outras palavras, na sua ânsia de infiltrar a Democracia com qualquer intoxicação que lhe seja favorável, muitos políticos demonstram que estamos, de facto, muito longe de qualquer mecanismo normal numa Democracia, tais como o escrutínio, a honra, a exigência de responsabilidades para quem as tem ou, no mínimo, vergonha na cara.  Como está claro aos olhos de todos, o país, assim como a Região, mereciam outra elevação de quem se predispôs, e predispõe, a decidir sobre os temas estruturantes da nossa realidade colectiva. Se assim fosse, talvez o espaço público não nos estivesse a ser tão roubado pela ignorância de minorias fundamentalistas, talvez a classe média não estivesse a morrer debaixo do peso de impostos cobrados para alimentar a corrupção e aqueles que não querem trabalhar, talvez os jovens não estivessem a sair e a nos sangrar de tantos recursos e talvez a mediocridade não se tivesse tornado o paradigma que hoje mais nos define como país. Que não esqueçamos que mudança só depende de nós.