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Sérvia pode tornar-se uma nova Turquia na adesão à UE

Foto Shutterstock
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O investigador sérvio Milos Pavkovic afirma que os cidadãos estão desiludidas com o arrastar do processo de adesão da Sérvia à União Europeia e avisa que o país pode tornar-se uma nova Turquia na relação com o bloco europeu.

A Sérvia candidatou-se oficialmente à adesão à UE em 2009. Três anos depois, recebeu luz verde para o estatuto de candidata e as negociações arrancaram em 2014. Desde então, foram abertos 22 dos 35 capítulos, tendo sido encerrados dois.

O país "está neste caminho há muito tempo" e "isso é problemático porque cria desilusão nas pessoas", comentou, em entrevista à Lusa, o investigador do Centro de Políticas Europeia (CEP, na sigla em inglês).

"As pessoas estão dececionadas, já não esperam que aconteça alguma coisa. A Sérvia abriu o último capítulo há dois anos. Não estamos a abrir novos capítulos, nem estamos a encerrar capítulos", referiu.

Para o analista, isto é "uma indicação clara de estagnação e não só para a Sérvia, mas também para toda a região" dos Balcãs -- Montenegro, Macedónia do Norte, Albânia e Bósnia-Herzegovina.

O Kosovo foi aceite como potencial candidato em dezembro do ano passado, mas enfrenta o não reconhecimento de cinco Estados-membros dos 27 (Espanha, Grécia, Chipre, Roménia e Eslováquia). Geórgia, Ucrânia e Moldova são igualmente candidatos à adesão.

"O país está a tornar-se um cenário como a Turquia, que está a negociar há décadas e nada acontece e acho que toda a gente sabe, na Turquia e na UE, que eles não vão aderir", disse, acrescentando: "A Sérvia está numa posição em que algo precisa de acontecer".

Em 2003, 90% dos sérvios apoiavam a adesão da Sérvia à UE, mas essa percentagem situa-se atualmente nos 40%.

Um dos obstáculos à integração de Belgrado -- assumido na semana passada pelo Presidente sérvio, Aleksandar Vucic -- é o não alinhamento com a política externa da UE, nomeadamente a recusa em impor sanções contra a Rússia, justificada pela dependência da energia russa e pelos laços históricos com Moscovo, mas também por ter sido um país sob sanções, que consideram prejudicar as pessoas.

O outro obstáculo é a relação com o Kosovo -- que declarou independência em 2008 -, mergulhada num impasse e que vive atualmente um novo momento de tensão, após a morte de um polícia kosovar num ataque armado, em 24 de setembro.

A União Europeia pede uma desescalada do conflito e uma normalização das relações entre as duas partes, uma condição para que façam o seu "caminho europeu", como referiu esta semana em Belgrado a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

"O capítulo 35 é o chamado capítulo de bloqueio. Se não houver progresso no capítulo 35, não haverá progresso em nenhum outro", comentou o investigador do CEP.

Milos Pavkovic alertou ainda que o país tem registado "um claro retrocesso democrático", com "vários índices de democracia" em queda, nomeadamente "em termos de eleições justas e livres, liberdade de imprensa ou direitos democráticos".

Por outro lado, o atraso na integração faz agravar o fosso socioeconómico entre a Sérvia e os 27, avisou.

"Os países dos Balcãs Ocidentais precisam de apoio financeiro para colmatar o fosso socioeconómico com a média da UE. A Sérvia ou os países dos Balcãs Ocidentais recebem seis vezes menos financiamento em comparação com a Bulgária e Croácia. E esta lacuna socioeconómica só está a aumentar", alertou.

Em troca do maior apoio financeiro, "claro, a Sérvia tem de concluir as suas reformas".

Esta semana, num périplo pelos Balcãs, Von der Leyen anunciou um plano de investimento de seis mil milhões de euros para a região, advertindo que está dependente das reformas exigidas.

A potencial adesão de cinco ou seis novos países, incluindo a Ucrânia, com 40 milhões de habitantes, alteraria o equilíbrio da UE para o leste da Europa, o que obriga os 27 a refletir sobre o processo de decisão, nomeadamente a questão da unanimidade.

"É por isso que a UE tem receio de integrar novos membros", considerou o investigador.

O CEP propõe um modelo de adesão progressivo, com quatro estágios, em que a evolução dependeria da velocidade da implementação das reformas: inicialmente, os países receberiam mais apoio financeiro e teriam um estatuto de observadores, para se irem familiarizando com as instituições europeias. Num terceiro estágio, integrariam os organismos europeus, mas com direitos de veto interditos durante um período de tempo negociado. Finalmente, seriam membros de pleno direito.

"A ideia é não parar o processo de integração, enquanto dá tempo à UE para fazer as suas reformas internas", explicou.

Partidos pró-europeus lamentam atrasos na adesão da Sérvia à UE

Partidos pró-europeus da Sérvia lamentam a demora nas negociações para a adesão de Belgrado à União Europeia, com o centro-esquerda a responsabilizar o Presidente e um partido da coligação governamental a apontar injustiças a Bruxelas.

O processo de adesão da Sérvia prolonga-se há 20 anos, quando, em 2003, o bloco comunitário declarou que o futuro dos países dos Balcãs Ocidentais é na União Europeia. Belgrado apresentou o pedido de adesão à UE em dezembro de 2009, tendo-lhe sido concedido o estatuto de país candidato em março de 2012. As negociações começaram em janeiro de 2014.

Demasiado tempo, para o Partido da Liberdade e Justiça, líder da oposição.

"Como o país mais forte dos Balcãs, temos de trazer toda a região para a UE, de preferência até 2030. Devemos estar preparados para isso e deve ser uma abordagem baseada no mérito, o que significa que temos de fazer o nosso trabalho de casa, no que diz respeito ao Estado de Direito, erradicação da corrupção, eficiência e independência das nossas instituições, liberdade de imprensa", disse à Lusa Borko Stefanovic, do partido pró-europeu e a terceira força política do parlamento.

Para o deputado, que lidera a comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros, o Governo, liderado pelo Presidente Aleksandar Vucic, "desde há 11 anos, está a fazer todo o oposto".

O facto de as autoridades sérvias recusarem impor sanções à Rússia, na sequência da invasão da Ucrânia, "é um enorme obstáculo" -- como reconheceu o Presidente num encontro em Belgrado com a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, na semana passada.

O Partido Liberdade e Justiça admite que imporia sanções se chegasse ao poder. Esta força argumentou, "não gosta de sanções, porque o país foi vítima delas", mas a Sérvia "tem de alinhar a política externa com a da UE".

"Somos um país candidato, a UE é o nosso futuro. Não queremos ficar novamente isolados, caso contrário seremos uma presa fácil", advertiu.

Pela Frente Verde-Esquerda -- que integra, juntamente com o Liberdade e Justiça, uma grande coligação pró-europeia às eleições antecipadas de 17 de dezembro -, Robert Kozma afirma que as autoridades sérvias passam a "narrativa de que são favoráveis à entrada na UE, mas fazem tudo para que a Sérvia fique presa nas negociações".

"Não querem implementar qualquer reforma, porque fazê-lo significaria que o regime teria de tornar-se democrático, com imprensa livre, e iriam perder o Governo no espaço de um ano. Lutar contra a corrupção seria lutar contra eles próprios", sustentou.

Kozma aponta o dedo aos 27, por considerar que a "UE permitiu a Aleksandar Vucic deteriorar a democracia".

O deputado ecologista não acredita na meta de 2030 para o alargamento -- como admitiu o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel -, mas sustenta que a adesão da Sérvia ao bloco europeu "é inevitável".

Para a "eurofanática" Elvira Kovacs, da Aliança dos Húngaros de Vodjovina, partido minoritário da coligação no poder, é importante "a Europa está a lidar com vários problemas e precisa de reformas".

Sobre a adesão, a deputada, que preside à comissão parlamentar para a Integração Europeia, diz que seria importante "ter a data" em que tal poderá acontecer, e lamenta o que diz ser uma atitude nem sempre justa dos 27 em relação a Belgrado.

"A Sérvia merece mais, deve ser avaliado o que tem sido feito recentemente. O nosso ponto de vista é que, por exemplo, a Bulgária ou Roménia estavam numa condição muito pior do que aquela em que a Sérvia está atualmente e elas já entraram e nós ainda não vemos a luz no fim do túnel", comentou.

"Por um lado, queremos entrar na UE, e isso é óbvio, mas por outro lado a Sérvia é vista como 'mal comportada' [na relação com o Kosovo] e isso é um problema. Precisamos de mais compreensão para as especificidades e explicar às pessoas porque é que todo o processo é tão longo e complicado e por vezes dececionante, de forma a tornar a UE mais popular", defendeu, acrescentando: "Estamos só a ouvir frases vazias. 'Queremos-vos, mas'. As pessoas estão desiludidas".

Mais à direita, o partido Dveri está a tentar aderir à UE "sem sucesso" há mais de 20 anos e, entretanto "perdeu o seu estatuto com o Montenegro, teve a secessão ilegal do Kosovo e Metohija, milhões de pessoas jovens deixaram o país, a soberania económica foi dada a empresas estrangeiras, na sua maioria ocidentais, e a agenda transumana LGBT foi introduzida", disse à Lusa o responsável para as Relações Internacionais do partido nacionalista, Andrej Mitic.

"Está na altura de redefinirmos as nossas relações com a UE. (...) Os sérvios também estão fartos da UE. Deveríamos ser bons vizinhos. O espaço económico europeu é um enquadramento adequado", considerou, vincando que "a adesão à UE, sem o Kosovo e Metohija como parte da Sérvia, está fora de questão".