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Crónicas

Costa “has left the building”

1. Disco: os Balming Tiger e o seu “January Never Dies” é uma descoberta com poucos dias. A minha iniciação na k-pop tinha de ser pela porta mais alternativa. Um colectivo de autores, rappers e produtores a fazer uma verdadeira revolução musical no seu país. Ótimo.

2. Livro: até podia ser um livro, mas não é porque os seus autores não quiseram. Difícil de ler, maçador, com uma ou outra ideia cabeluda. No final não traz nada de novo. É o “Programa de Governo 2023 – 2027”. E podia não ser assim, bastava, para tanto, que os seus autores quisessem ficar na história da Madeira. Que fossem reformistas, que mudassem os paradigmas, que quisessem fazer da Madeira uma terra de desenvolvimento e economicamente mais capaz.

3. Quem me segue sabe o que valorizo a Autonomia. É um dos meus temas favoritos de conversa. O que somos e o que podemos ser. Se quisermos.

Na semana passada fui a Lisboa, à Assembleia da República, integrando uma delegação da nossa Assembleia, para sermos ouvidos pela Comissão Eventual de Revisão Constitucional. Ia cheio de esperança. E regressei com o rabo entre as pernas.

Repito, a convocatória da insigne comissão era, supostamente, para nos ouvir. O que aconteceu foi o oposto. Tive de os ouvir a pegarem-se mutuamente sobre tudo menos o tema que ali nos levou.

O tempo que nos foi destinado para falar foi de dois minutos por partido representado na ALRAM. O tempo dos de lá era cinco vezes superior. Ora então fica a pergunta: o que raio é que entendem por “ouvir”?

Não me apanham outra vez.

4. Foi isto, mais ou menos, que os meus dois minutos me permitiram dizer na Comissão:

Entendo que um país sem desígnios nacionais não é muito interessante. Como liberal, tenho como desígnio para Portugal um Estado curto na sua intervenção e tamanho que seja extremamente funcional. Um Estado que seja proporcionador de desenvolvimento de modo que se acabe com a pobreza, capacitando os portugueses. E as Autonomias da Madeira e dos Açores.

Nunca é demais dizê-lo: a autonomia não questiona a soberania. A autonomia é parte da soberania.

Vemos sempre a soberania e a autonomia como algo que vem de cima para baixo. Errado. Têm ambas de se impor de baixo para cima, pois do que precisamos é de portugueses como pessoas soberanas e autónomas.

Retrocedo: a autonomia não questiona a soberania. A autonomia é parte da soberania. É o epítome da subsidiariedade de que muitos gostam de falar e de tão pouco praticar. Autonomia é partilha de poder. E essa partilha só pode estar limitada por questões de defesa, negócios estrangeiros, representação do Estado, segurança interna e justiça. Tudo o mais é parte da Autonomia.

É urgente acabar com o contencioso da autonomia (que só serve para desculpabilizar ineficácias de uns e de outros) e avançar para um consenso alargado da Autonomia.

Mais e melhor Autonomia é mais responsabilidade.

Deixem-nos ser responsáveis.

5. Ah, e só com muita dificuldade fiquei a perceber o que os partidos do centrão nacionais pensam da revisão constitucional no que diz respeito às autonomias.

6. Costa “has left the building”. Saiu, pôs-se na alheta, já não é. O Partido Socialista tem esta enorme habilidade de onde toca, conseguir transformar isso em esterco.

O primeiro-ministro demitiu-se devido a um parágrafo de duas linhas num comunicado do Ministério Público. Aparentemente. Tenho para mim que isso não teve importância absolutamente nenhuma na decisão. Depois de tudo o resto que vai dito no comunicado, a Costa não restava alternativa. Aquele último parágrafo serve de desculpa para algo indesculpável.

Com estas coisas é normal que se duvide do valor da democracia. Que raio de país este que mantém em exercício um governo com pessoas indiciadas de crimes de corrupção? Que país é este que tem um Presidente da República que não assegura o regular funcionamento das instituições democráticas?

António Costa, depois da sua demissão, tinha de ser exonerado. Ao invés disso, continuará em funções até às eleições, daqui a quatro meses.

João Galamba continua como ministro das infraestruturas, quando devia ter sido prontamente demitido. O homem com a tutela das verbas do “Portugal 2020”, do “Portugal 2030” e do PRR, indiciado por corrupção, vai continuar em funções.

Ou seja, estamos perante mais umas originalidades que caracterizam esta república disfuncional. Tenho muitas dúvidas da legalidade de tudo isto. Da legalidade constitucional do modo como se vai aprovar o Orçamento de Estado. Mais valia ter ido rapidamente para eleições. Antes isso, do que o TC declarar o decreto das contas inconstitucional, precisamente por causa deste fandango que nos querem pôr a dançar.

Marcelo não quis nomear um governo de iniciativa presidencial que levasse o país até à posse do próximo, após as eleições. Marcelo não tem como negar, que goste ou não, ao marcar eleições para 10 de Março, assume também a responsabilidade por este governo de gestão. Ou seja, o PR tem aqui um governo que se mantém por sua iniciativa.

Alguém reparou que teremos eleições legislativas a um mês e meio da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril? Que 50 anos depois o que conseguimos foi esta porcaria? A mim choca-me esta decadência. A decadência a que chegámos, sem sequer ter tido a necessidade de construir primeiro. Neste assomo de democracia, todo o pano é uma verdadeira nódoa. Só não somos uma república sul-americana por mera contingência geográfica.

7. Como podemos manter intocável um partido que teve dois governos envolvidos em corrupção? Dois primeiros-ministros a braços com casos de corrupção? Ministros, secretários de estado, chefes de gabinete? O Partido Socialista representa o que de mais vil e baixo há na democracia portuguesa.

É chegado o momento de os portugueses mostrarem que se incomodam, que estão fartos disto. É tempo de acabar com esta lógica de “boys for the job”, dos avençados e beneficiados, este tempo ver a corrupção, as ilegalidades e os esquemas como coisas aceitáveis.

8. Agora é ver a campanha de branqueamento do Partido Socialista feita pelas marionetas do costume. Que a culpa disto tudo é do Ministério Público. Tenham juízo.

9. E o que dizer das usuais fugas do conteúdo das escutas telefónicas? Desta justiça trôpega que deixa que processos sejam mal montados, mal investigados, cheia de burocracia e procedimentos? Não acredito que não se consiga melhor do que isto.

10. Vamos então a eleições. Outra vez.

11. Vivemos tempos onde a húbris, a arrogância, fazem o ser e o ter. Orgulho desmesurado, insolência, soberba, são atitudes que matam a humildade que todos devíamos ter. Há uma espécie de lógica ao contrário, onde os heróis não prestam. Somos desimportados, deixamo-nos enlevar por um arquétipo trágico, como se tudo isto fosse destinado ser assim. A falta de capacidade de indignação, ou mesmo quando se a contém e acobarda, não é mais do que outra forma de desumanização.

Por causa do fado assalta-nos a inação do destino. Por causa da saudade passamos o tempo a olhar para trás desejando o que já lá vai, ou o que nunca fomos ou tivemos, mas invejamos nos outros. É tempo de “matar” estes dois mitos nacionais que nos amarram e seguir.

12. Fazer a estrada antiga que liga os Prazeres ao Porto Moniz é avassalador. Seguimos o percurso do fogo sem nunca o abandonar. A brutalidade da destruição, o cinzento e um castanho deslavado por todo o lado, imaginam-se as temperaturas a que chegou nos vales mais fechados.

É tempo de tratarmos das feridas, mas, acima de tudo, é tempo de se repensar estratégias. O que temos provou ser insuficiente.