Os meios aéreos assumem um papel muito relevante no combate aos incêndios florestais e rurais. No entanto, durante a noite não os vemos a operar. A situação gera incompreensão, em especial, por parte das populações mais afectadas pelos incêndios. Mas será que os helicópteros não podem operar durante a noite?

Para conseguirmos responder a esta questão, questionámos o responsável máximo por uma das grandes empresas nacionais do sector, que alugam helicópteros ao Estado, para combate de incêndios.

Essa pessoa, que pediu para não ser identificada, esclareceu que, em Portugal, são usados helicópteros ligeiros, que não dispõem dos equipamentos necessários para operarem durante a noite (IFR - Instrument Flight Rules). Por isso, os voos são feitos durante o dia (VFR - Visual Flight Rules). Trata-se, assim, de voos por instrumentos ou à vista.

Os voos por VFR não podem acontecer durante a noite, com algumas excepções e devidamente autorizados pela Autoridade Nacional de Aviação Civil.

Os voos à vista, como são conhecidos, podem decorrer até 25 minutos depois do pôr-do-sol e começar 25 minutos antes do nascer do sol.

Por exemplo, o pôr-do-sol de hoje, na Madeira, será às 19h38. Isso significa que os helicópteros sem IFR podem voar até às 20h03. O nascer do sol, no dia de amanhã, será às 8h11. Isso traduz-se na possibilidade de um helicóptero sem IFR voar a partir das 7h46.

E no caso da Madeira, pode o helicóptero de combate a incêndios voar durante a noite?

Para respondermos a esta questão, há duas vias.

Desde logo, constata-se que o helicóptero deixa de operar durante a noite e que o principal interessado em que continuasse noite fora seria a própria Protecção Civil.

Depois, consultámos o caderno de encargos, que deu origem ao contrato de prestação de serviços pelo actual helicóptero. O Anexo B, onde são descritos os ‘Requisitos operacionais e técnicos’, no ‘item n.º 18’ – Equipamentos para voo – diz que “a aeronave deve estar certificada para operações aéreas de tipo VFR (condição mínima) em condições VMC (Visual Meteorolical Conditions)”.

Este Item suscita alguma perplexidade ao responsável pela empresa de helicópteros, que ouvimos, pelo facto de, sendo um helicóptero médio e não ligeiro, com um dos objectivos de poder desenvolver acções de busca e salvamento, isso (voar só por VFR) significa que as mesmas só podem decorrer durante do dia, quando, por definição, não têm hora para se concretizar.

No mercado internacional existem aeronaves (helicópteros e aviões) equipadas para o combate de incêndios durante a noite. Esse é, de resto, um mercado em crescimento. Uma das razões técnicas será a de aproveitar as condições mais favoráveis ao controlo dos fogos, que a noite, muitas vezes, proporciona. Existem mesmo empresas cada vez mais especializadas nessa área.

Três países com maior incidência desse crescimento são os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá.

Trata-se de tecnologia militar transportada para o combate a incêndios, o que é beneficiado pelo facto de muitos dos helicópteros, principalmente os médios e pesados, usados nos combates a incêndios serem antigos helicópteros militares.

Em Junho de 2020, o Kiosquedaavião noticiava: ‘Talon Helicopters as365 Dauphin certificado para combater incêndios à noite’. E explicava: “A Talon Helicopters de Richmond, Colúmbia Britânica, está pronta para assumir missões nocturnas de combate a incêndios com seu Airbus AS365 N2 Dauphin, com a recente aprovação de visão noturna (NVG) – o único helicóptero médio de ataque nocturno NVG aprovado pela Transport Canada no Canadá.”

Em Portugal, como noticiado pelo Expresso em Março de 2020, não há heliportos certificados para operações IFR.

Assim, é verdade que os helicópteros em acção em Portugal não podem combater incêndios durante a noite. Não que essa seja uma impossibilidade total, nas porque não estão preparados para isso. Além disso, os heliportos também não estão certificados.

A opção por helicópteros e equipas para trabalho durante 24 horas fará os custos crescerem significativamente, o que, de resto, vem a acontecer, devido à procura crescente dos equipamentos, devido às alterações climáticas.

A conclusão é de que é possível ter helicópteros a combater incêndios durante a noite, mas, para já, não em Portugal.