A Guerra Mundo

Guerra na Ucrânia elevou fasquia da resposta a crises humanitárias

Foto Dimitar DILKOFF/AFP
Foto Dimitar DILKOFF/AFP

A guerra na Ucrânia marcou o ano 2022 em termos de direitos humanos e elevou a fasquia da resposta da comunidade internacional perante crises humanitárias, defendeu a organização Human Rights Watch (HRW), no seu relatório anual, hoje divulgado.

"A invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, e a guerra que se seguiu, tiveram um impacto desastroso em civis, propriedade civil e infraestruturas de energia, e ofuscaram todas as outras preocupações de direitos humanos", afirmou a organização internacional de defesa de direitos humanos no relatório.

Poucos meses depois de a guerra começar, a comunidade internacional conseguiu unir-se e acordar a imposição de sanções à Rússia e a necessidade de julgar os responsáveis russos por crimes de guerra e contra a Humanidade, elogia a HRW.

"O que vimos na Ucrânia é a capacidade da comunidade internacional se mobilizar para garantir que haja justiça e responsabilidade, o que a HRW apoia de todo o coração", disse a diretora da organização não-governamental (ONG), Tirana Hassan, em entrevista à agência Lusa, por ocasião da divulgação do relatório anual.

Lembrando que "o Tribunal Penal Internacional lançou uma investigação" sobre a atuação da Rússia no território ucraniano, Tirana Hassan sublinhou que a resposta internacional à crise na Ucrânia "elevou a fasquia" do que se espera ser a reação perante outras situações de conflito no mundo.

"Esperamos o mesmo tipo de resposta para situações como a Palestina e o Afeganistão e outras de grande gravidade em todo o mundo", referiu.

Por isso, adiantou a diretora da HRW já no documento, as crises de direitos humanos devem passar a ter um novo enquadramento e novos modelos de ação.

"Depois de anos de esforços fragmentados e muitas vezes indiferentes a locais sob ameaça como o Iémen, o Afeganistão e o Sudão do Sul, a mobilização mundial em torno da Ucrânia mostra-nos o extraordinário potencial que temos quando os Governos percebem as suas responsabilidades de direitos humanos à escala global", referiu no documento.

"Os Governos devem ter o mesmo espírito de solidariedade para com as pessoas que vivem crises de direitos humanos em todo o mundo e não apenas quando convém aos seus interesses", alertou.

A responsável da HRW, que apresenta hoje o seu primeiro relatório anual enquanto diretora, defendeu ainda que a guerra na Ucrânia também serviu para mostrar o que acontece quando o mundo fecha os olhos a abusos de direitos humanos, já que a invasão só foi possível pela "longa impunidade" de que gozou o Presidente russo, Vladimir Putin.

"A perda de vidas civis na Ucrânia não foi nenhuma surpresa para os sírios que sofreram abusos graves de ataques aéreos na sequência do apoio da Rússia às forças sírias de Bashar al-Assad, em 2015", considerou Tirana Hassan.

O 33.º relatório mundial anual da HRW, hoje apresentado publicamente, analisa a situação dos direitos humanos em mais de 100 países e territórios de todo o mundo durante o ano 2022.

O documento não qualifica as principais preocupações da HRW, mas alguns países mostraram, em 2022, um agravamento da situação dos direitos humanos, entre os quais se contam o Irão, o Afeganistão, o Haiti, a Coreia do Norte e a Venezuela.

No Irão, o ano foi de protestos generalizados contra a rigidez das regras islâmicas, concretamente o código de vestuário imposto às mulheres.

Depois da morte da jovem Mahsa Amini, detida pela chamada polícia da moralidade por alegadamente usar de forma inadequada o véu islâmico ('hijad'), a população saiu para as ruas de várias cidades iranianas para exigir o respeito pelos direitos humanos.

As autoridades detiveram e condenaram dezenas de ativistas acusando-os de ameaçar a segurança nacional e, embora a extinção da polícia da moralidade tenha sido anunciada, as liberdades de reunião e expressão foram severamente restringidas.

Também o Afeganistão foi preocupação constante no ano passado, devido sobretudo à degradação dos direitos das mulheres e meninas.

Os talibãs, que regressaram ao poder em agosto de 2021, continuaram a impor inúmeras regras e políticas que violam os direitos humanos, sobretudo das afegãs, restringindo-lhes o direito de movimento, de trabalho e o acesso à educação e à saúde, acusou a HRW no relatório, referindo que tais regras provocaram um aprofundamento da crise económica no país, onde milhões de crianças passaram a enfrentar fome aguda e mais de 90% dos afegãos passaram a viver sob insegurança alimentar.

Outro Estado que afligiu a HRW em 2022 foi o Haiti, já que o país viveu uma grave crise política, de segurança e humanitária que deixou todos os poderes do governo inoperantes, agravando a impunidade dos abusos de direitos humanos.

Gangues armados intensificaram o controlo de áreas estratégicas, aumentando a violência, incluindo do principal fornecedor de combustíveis de Port-au-Prince, o que afetou duramente empresas, escolas e hospitais e reforçou a escassez de bens essenciais, incluindo água e telecomunicações.

Na lista das prioridades da HRW conta-se ainda a Coreia do Norte, considerado um dos países mais repressivos do mundo.

No ano passado, o regime norte-coreano usou o combate à covid-19 para adotar "medidas extremas e desnecessárias" que isolaram ainda mais a população, restringindo por completo a entrada de estrangeiros, reduzindo o comércio a níveis mínimos e limitando viagens e distribuição de alimentos.

O impacto da pandemia de covid-19 foi intensificado quando o país foi atingido por grandes secas em maio e inundações em julho, mas o regime de Pyongyang continuou a dar prioridade ao desenvolvimento de armas e realizou um número recorde de mais de 30 testes de mísseis entre janeiro e outubro.

A grave emergência humanitária vivida na Venezuela - de onde já fugiram mais de 7,1 milhões de pessoas - fizeram deste país outra das prioridades da HRW.

Segundo descreveu o relatório, milhões de pessoas foram proibidas de aceder a cuidados de saúde e a alimentação adequada em 2022, ano em que mais jornalistas e ativistas foram perseguidos e a polícia usou técnicas de repressão de maior violência.

No ano passado, a situação no país deteriorou-se ao ponto de o Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos perder o acesso aos centros de detenção, onde são mantidos milhares de prisioneiros, frequentemente vítimas de abusos e violações de direitos humanos, denunciou a HRW.