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Eleições no Brasil tornam vida difícil para quem é evangélico e de esquerda

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Com o avanço do calendário eleitoral no Brasil pastores e fiéis evangélicos que têm simpatia por partidos e políticos de esquerda estão a ser alvo recorrente de críticas dentro de suas comunidades religiosas, segundo vários visados.

Em São Gonçalo, cidade vizinha ao Rio de Janeiro, o pastor Oliver Costa Goiano, da Igreja Batista, contou que o apoio dos pastores evangélicos à esquerdas está a causar problemas dentro das organizações.

"Existem pastores que gostariam de estar aqui, mas não podem porque vão ser expulsos de suas igrejas se vierem. Eu tenho muitas ovelhas que votam em Bolsonaro, mas nenhuma ovelha minha é fundamentalista. Acho que a maioria vota em Lula da Silva, mas eu não uso púlpito para isso", relatou o pastor Oliver Costa Goiano durante um encontro da candidatura Lula da Silva com evangélicos.

 "Infelizmente, a gente tem visto pastores proibindo até os fiéis de participarem da Santa Ceia, que é a nossa eucaristia, no caso dos evangélicos. Se me incomoda? Sim. Paguei um preço para estar aqui muito alto, deixei de ser pastor de outras igrejas pelo meu posicionamento, mas estou a dormir em paz por defender o que Cristo defendeu", acrescentou.

Questionado sobre interesse político dentro das igrejas evangélicas, o pastor lembrou que os evangélicos representam um terço da população do Brasil, que as igrejas são muito organizadas e reúnem fiéis num momento fundamental, no sábado véspera da eleição quando não é mais possível fazer campanha nas ruas, factos que ajudam explicar o interesse pelo voto dos fiéis.

Na última quarta-feira, o pastor Sérgio Dusilek, presidente da Convenção Batista Carioca (CBC) anunciou que sua renúncia do cargo depois de receber duras críticas e ter livros escritos por si queimados por fiéis contra a sua participação em ações de campanha de Lula da Silva.

Divergências políticas chegaram a motivar um crime num culto no final de agosto. Um polícia militar que frequenta a igreja Congregação Cristã no Brasil (CCB), em Goiânia, disparou contra outro fiel durante o culto por causa de uma divergência política. Segundo testemunhas,  as discussões naquela igreja começaram após um pastor pedir aos membros para não votarem em partidos "vermelhos", ou seja, de esquerda.

Entre os adeptos da fé evangélica o clima de medo também é recorrente.

Jessielem Oliveira, de 42 anos, evangélica e frequentadora da Igreja Batista do Zumbi, em São Gonçalo, disse que sofre críticas pela sua escolha política. "Muita gente fala, quer brigar (...) Este povo quer obrigar a gente, dizer que ser evangélico é Bolsonaro", frisou.

Outra evangélica de esquerda e apoiante do ex-presidente Lula da Silva, Priscila Oliveira, de 36 anos, contou que os pastores da sua congregação têm tentado mudar o seu sentido de voto.

"Eles sempre inventam coisas, mas vai da nossa cabeça ver o que o candidato está passando", relatou Priscila Oliveira.

Já Andreia Carvalho, 51 anos, frequentadora da Igreja Batista, frisou que os evangélicos não são um grupo homogéneo e é possível ter espaço neste meio e ver pessoas que apoiam a esquerda.

"No meio evangélico estamos a ter dificuldade por causa deste discurso que tenta homogeneizar. É como se não houvesse espaço para um pensamento diferente entre os evangélicos (...) O povo evangélico não é de direita, no povo evangélico cabe de tudo. O Estado é laico e a religião é um outro espaço onde todas as opiniões devem ser respeitadas. Cada um tem o direito de exercer sua opinião política", concluiu.

O eleitorado evangélico corresponde a cerca de 30% dos brasileiros, apoia maioritariamente causas conservadoras contra a legalização do aborto e das drogas, e, até o momento, tem estado ao lado da reeleição do Presidente.

Neste segmento, Bolsonaro que está em segundo lugar na corrida eleitoral mantém uma liderança de 17 pontos para Lula da Silva, o primeiro colocado nas contas gerais, com 49% das intenções de voto face aos 32% de evangélicos que declararam apoiar o ex-presidente, segundo a última sondagem do DataFolha.

O apoio do segmento evangélico a Bolsonaro é reforçado diariamente por 'televangelistas' e lideranças como o pastor Silas Malafaia, que além de estimular votos no governante faz parte de um grupo de influenciadores que divulga informações já desmentidas sobre uma alegada intenção de Lula da Silva de fechar igrejas caso seja eleito.

Além de Malafaia, lideranças da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) através de seus veículos de comunicação social também têm feito fortes críticas aos candidatos e movimentos de esquerda.

 O jornal Folha Universal, editado pela IURD no Brasil, publicou em janeiro um texto não assinado em que afirmava que "um cristão de verdade não pode nem deve compactuar com ideias esquerdistas" e outros textos com a mesma linha crítica.

Bolsonaro, que se declara católico, aproximou-se dos evangélicos através da primeira-dama Michelle Bolsonaro com quem se casou na Igreja Vitória em Cristo.

O Presidente brasileiro também fez um gesto simbólico ao batizar-se novamente pelo pastor Everaldo, no rio Jordão, em Israel, em 2016, antes de iniciar a campanha que o elegeu chefe do Executivo.