A Guerra Mundo

Papel de mediador projetou Turquia mas paz continua distante

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Foto Reuters

Em seis meses de guerra na Ucrânia, cumpridos a 24 de agosto, a Turquia reforçou o seu peso geopolítico através da mediação entre Moscovo e Kiev, embora a paz permaneça distante, segundo especialistas ouvidos pela Lusa.

Na quinta-feira, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, excluiu qualquer negociação de paz com Moscovo sem a retirada prévia das tropas russas do território da Ucrânia, durante uma reunião do secretário-geral da ONU, António Guterres, e o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em Lviv, na Ucrânia.

Segundo Francisco Proença Garcia, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, "não parece, pelo tom do discurso, que neste momento a paz seja previsível, que esta possibilidade venha a acontecer nos próximos tempos".

"O desejável era que nós encontrássemos, pelo menos, um cessar-fogo, aquilo que se designa uma paz negativa, assim, deixávamos de ter o sacrifício da vida dos inocentes", sublinhou Proença Garcia.

A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas de suas casas -- mais de seis milhões de deslocados internos e mais de seis milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que está a responder com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca à energia e ao desporto.

"Enquanto as partes virem mais vantagens na perpetuação da guerra do que nos esforços das tentativas de paz, a diplomacia e a negociação estão ou condenadas ao fracasso ou a aspetos relativamente menores no conflito - a retirada de civis ou militares cercados, o acordo para a exportação dos cereais ucranianos, etc...", declarou Pedro Ponte e Sousa, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

"Não há incentivos suficientes para a diplomacia e negociação, para qualquer uma das partes", referiu Ponte e Sousa, também professor de Relações Internacionais na Universidade Portucalense.

Segundo o investigador do IPRI, "é provável que mesmo dentro da elite decisória da Ucrânia esta seja uma questão [das negociações de paz] cada vez mais discutida. Aliás, os analistas internacionais têm apontado essa como a provável principal causa dos muitos despedimentos nas cúpulas diplomática, de justiça, segurança e defesa ucranianas que Zelensky tem promovido. Ou seja, uma tentativa de consolidação em torno da rejeição da opção diplomática para os destinos do conflito, em prol da tentativa de recuperação de território a qualquer custo".

Ponte e Sousa defende que "o papel das Nações Unidas tem sido de louvar e muito eficaz, apesar de insuficiente (...). É urgente continuar a apoiar iniciativas diplomáticas e rejeitar a inevitabilidade da guerra".

"A Turquia tem sido um ator fundamental, quer prestando bons ofícios - disponibilizando condições físicas para a negociação, sem propor soluções -, quer arriscando o papel de mediador - avançando tentativas de solução que propõe às partes. Evidentemente que a Turquia tem interesses próprios neste papel, mas isso tem-na incentivado a ser um ator fundamental na promoção da paz", sublinhou Ponte e Sousa.

No final do encontro trilateral em Lviv, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, salientou a importância da recente iniciativa diplomática que permitiu a retoma da exportação de cereais ucranianos e fertilizantes russos, não apenas para impedir um desastre em países dependentes de importações de bens alimentares destes dois grandes produtores mundiais, mas também enquanto instrumento para fazer avançar um processo de paz.

"O grande beneficiário geopolítico desta guerra é a Turquia, porque tem tido um papel importante na procura de soluções quer para os cereais, quer para o fornecimento de armamento, quer no quadro político e diplomático para se encontrar uma solução. A Turquia é o vencedor objetivo desta guerra e estão a aproveitar tudo que tem para aproveitar", sublinhou Proença Garcia.

"Os perdedores somos nós, o ocidente, que temos os nossos valores democráticos, a nossa identidade europeia em jogo, e os ucranianos que se batem e morrem por nós no campo de batalha e porque perdem vidas humanas e património, infelizmente", salientou Proença Garcia.

Para Pedro Ponte e Sousa, "a União Europeia é o ator mais ausente, apesar do seu percurso histórico na mediação e resolução de conflitos, pôs-se totalmente de fora da promoção da paz neste conflito, o que associado a um novo comportamento internacional completamente decalcado do dos Estados Unidos, reduz a sua importância e autonomia enquanto ator fundamental para a resolução do conflito".

Para Madalena Resende, professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, "[a paz] não está, no momento, em cima da mesa".

"Tem de haver uma superioridade clara de um dos lados ou vontade política ou ainda uma reviravolta para que haja uma possível reorientação política e estratégica de uma das partes", referiu a professora.