Análise

Condenados ao naufrágio?

Os governos não podem continuar a mascarar um problema que carece de intervenção rápida

Entre 2010 e 2019, a Madeira registou uma quebra de 64,4% nos nascimentos em relação a toda a década de 1970. A frase acompanhou a manchete do DIÁRIO de terça-feira passada e deveria de servir de alerta e de prioridade máxima ao poder político. Nos últimos 10 anos nasceram, na Região, menos 36.370 bebés do que há 50 anos. O saldo natural foi, por conseguinte, o mais baixo em mais de meio século. A situação assume contornos de maior gravidade ao constatarmos que as projecções da população residente entre 2018-2080 apontam para uma tendência decrescente, tal como a nível nacional.

Ao contrário do que muitos possam supor, os jovens gostariam, na sua grande maioria, de ter filhos – ou pelo menos mais filhos. No entanto, um conjunto de factores impede a concretização desse desejo. O Inquérito à Fecundidade realizado pela Direcção Regional de Estatística da Madeira, em 2019, revela isso mesmo, mas a realidade demonstra que a renovação geracional está claramente comprometida. É que não há uma política bem estruturada de apoio à família e de incentivo à natalidade. Uma solução não pode passar apenas por ajudas monetárias, muitas delas irrisórias e pontuais, mas por um conjunto drástico de mudanças sociais e laborais. A flexibilização dos horários de trabalho para os pais, o aumento da licença de maternidade, transportes públicos gratuitos até aos 18 anos e disponibilidade de ATL gratuitos, são apenas algumas das medidas apontadas por aqueles que desejariam ter filhos ou mais filhos. Tudo isto acompanhado por um quadro fiscal adequado, verdadeiramente amigo das famílias. E aqui seria necessário um pacto de regime que vigorasse durante décadas, independentemente do partido que estivesse no poder.

O modelo económico actual, sustentado em baixos salários, não fixa os jovens nem os convida a constituir família. Aliás, muitos nem uma casa conseguem adquirir… Como consequência, nas próximas duas décadas apenas duas grandes escolas secundárias serão suficientes para acolher os alunos de toda a Região. Preocupante, para não falarmos na sustentação da Segurança Social.

Como se comprova facilmente, os apoios actualmente existentes, que até duplicaram, não conseguem inverter a tendência de queda. As autarquias derramam milhares de euros em diversos incentivos, que são manifestamente insuficientes para as reais necessidades.

No Inverno demográfico que atinge de forma mais violenta o Norte da ilha, o Porto Moniz surge como o concelho mais penalizado. Registou apenas 10 nascimentos em 2021. Mesmo com o simpático pacote de auxílio levado a cabo pelo município, o panorama não se altera. Esta é a prova de que os incentivos à natalidade não podem estar dissociados de uma política abrangente, que envolva o Estado, entidades patronais, Educação, Saúde e Finanças.

Os governos não podem continuar a mascarar com medidas avulsas um problema que carece de intervenção rápida e consistente. A questão é muito simples e pode resumir-se mais ou menos a isto: que casal projecta o nascimento de mais filhos se mal consegue chegar ao fim do mês com dinheiro disponível para os gastos quotidianos? Que trabalha demasiadas horas por dia e aos fins-de-semana e não tem ninguém a quem deixar os mais pequenos?

Ou há vontade de reverter o ‘Inverno demográfico’ em Primavera da esperança ou estamos condenados ao naufrágio, porque sem pessoas não há nação que se aguente.