Artigos

Prevenção da doença mental. Um caminho a percorrer

No último artigo falei da escola, dos alunos, dos pais, do cansaço de todos e de uma desorientação que vai inundando o sistema, culminando muitas vezes na consulta de psicologia. O pedido de ajuda nem sempre reflete o entendimento sobre a saúde mental surgindo por isso, com frequência, bloqueios na comunicação entre os especialistas responsáveis pelo acompanhamento e os adultos responsáveis pelo encaminhamento.

A doença física é aceite e assumida quer nas causas quer nas consequências, não acontecendo o mesmo com a doença mental. Apesar de constatarmos uma evolução nos pedidos de ajuda a leitura conjunta dos diagnósticos, essencialmente quando as mudanças não podem acontecer a curto prazo, continuam a facilitar a emergência do tabu.

Muitas vezes no discurso com os cuidadores ou professores a tentativa de esclarecer as causas e as consequências de vivências traumáticas de abandono, violência física e/ou emocional, mudanças constantes de rotinas e estilos de vida, ausência de tempo e espaço para vincular, é uma batalha difícil de superar.

O olhar sobre o mundo emocional é uma trajetória difícil para muitos. A história de vida de cada um condiciona esta leitura e não são poucas as vezes em que surge aquela frase, “se eu fosse dar importância a essas coisas…tem mais é que andar com a vida para a frente…o passado fica lá atrás…é preciso ser forte”. A tentativa de anular o passado, a história, transformando-a ao jeito do presente.

Este boqueio é uma herança cultural que trespassa o tabu e a vergonha da doença mental é mesmo uma dificuldade de olhar a realidade emocional. Aceitar as fragilidades não as lendo como fraquezas, perceber que a reconstrução precisa de tempo e que histórias carregadas de vazios não se preenchem com a vontade dos outros.

A prevenção da doença mental começa por ensinar os adultos a entender que não precisam de perceber tudo, apenas o essencial respeitando o trabalho de quem sabe o que deve fazer. Aceitar o desconhecimento nesta área não é uma fraqueza é uma constatação. Pedir ajuda é o caminho. Colaborar uma enorme mais valia. Ter opinião, critica, curiosidade, faz parte do processo. O que não ajuda é não saber esperar, não dar tempo para que a confiança, a relação, o vinculo, a crença na mudança, o prazer de continuar a crescer aconteçam, e aí sim, no presente, a história seguir outra trajetória.

Cada vez mais, e ainda bem, há profissões que se complementam e que precisam coexistir ligadas em sintonia e respeito mútuo. Ninguém nasce ensinado muito menos os meninos que cresceram descalços de afeto noite e dia em todas as estações. Dói tanto que no limite parece não doer. No início as feridas é o que se vê, a dor é o que precisamos ir aprendendo a suportar, com eles, até sarar. Ficará sempre uma cicatriz, a da vida, mas passa a ser possível sentir quando voltar a doer. Nessa altura já não vão estar sozinhos. Estaremos lá.