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Olhó balão!

Nunca se mente tanto como antes das eleições, durante a guerra e depois da caça

Ficou consagrada esta expressão, como símbolo dos pategos que olhavam, boquiabertos, para o mistério profundo de um balão a subir no espaço, para gáudio dos restantes.

Mas mesmo esses pelo menos viam, e acreditavam no que viam, embora lhes passasse ao lado a explicação do fenómeno. Mais de um século passado, na Era da Informação, já nem é preciso ver: basta acreditar no que lhe dizem, na rua, no café, na aula, na TV, pelo computador ou IPhone.

A guerra da Ucrânia é apenas uma “operação militar especial” para os telespetadores russos. Com entre nós, na nossa mais recente guerra, ainda sem nome oficial, que afinal eram só operações de polícia.

Bairros arrasados, tanques e blindados destruídos, aviões abatidos, mortos quanto baste: ao que parece, isso não faz uma guerra. Assente o princípio da infalibilidade da comunicação, convém não levantar questões.

Ou ao contrário?

Relembremos uma frase de Churchill: nunca se mente tanto como antes das eleições, durante a guerra e depois da caça.

Nesta guerra, proliferaram os analistas, com pergaminhos diversos, em vias de ultrapassar em número os comentaristas de futebol.

Quod abundat non nocet, diziam os latinos, ou seja, o que abunda não é demais. Mas esta proliferação não representa obrigatoriamente aquela desejável qualidade e diversidade de opiniões, já que parece haver um conjunto de dogmas que é de bom tom não contestar.

Tomando como exemplo a contagem das baixas, e partindo dos comunicados de ambas as partes em conflito, chega-se à conclusão que os mortos russos são todos militares, e os mortos ucranianos todos civis.

Absurdo? Nem por isso. Os russos, indiscutivelmente tropas invasoras, operando em terra alheia, são naturalmente militares, talvez com a exceção dos voluntários russófonos da Crimeia ou do Donbass. Os ucranianos, defendendo a sua Pátria (e que bem o fazem!) são todos chamados às armas, confundindo-se militares, polícias e civis. A farda é uma necessidade operacional, e não uma forma de identificação, como era hábito. E até com implicações legais, segundo o direito internacional: um civil armado pode ser considerado um marginal ou espião, passível de fuzilamento. Isto se houvesse guerra declarada, mas, como se trata de uma “operação militar especial”, essa regra parecer não ter aplicação.

A título de exemplo, é frequente ver um polícia com uma arma anticarro, ou um civil com uma metralhadora.

Tornando-se difícil a distinção, recorre-se à classificação mais favorável. Como nas guerras de guerrilhas, em que os mortos são todos guerrilheiros, e os sobreviventes são homens, mulheres, crianças e velhos.

O importante é separar informação da propaganda. Do mesmo modo que convém ajuizar na compra de um carro, de um sabonete ou de um par de sapatos.

Caso contrário, arriscamo-nos a cair na tal situação do “Ó patego, olha o balão!”