Homem de Estado e Cristão preferiu a Paz

Quase poderíamos dizer que a guerra atual da Rússia-Ucrânia, e de quase o todo o mundo, começou há cerca de um século. É uma guerra louca continuada na linha das dinâmicas de lutas de blocos e ideologias que se vêm repetindo. Há um século o elo mais fraco, reduzido a pobre, chegou ao Funchal em novembro de 1921 onde viveu três meses na riqueza da sua fé cristã e na pobreza de imperador do mais antigo império cristão do qual foi desterrado como mendigo. Visto aos olhos dos poderosos e dos riquíssimos de hoje, foi um falhado. Tinha sido um sucessor imperial de terceira apanha, sobrinho-neto de Francisco José I. O primeiro e o segundo deixaram o lugar vago sem o ocuparem. Ele herdou o império em guerra, em ambiente de fome com inimigos de fora e de alguns dos seus onze reinos. Ele a querer a paz, para evitar mais sofrimentos aos súbditos, os amigos a desejarem salvar o império a todo o custo, e os inimigos, internos e externos, a fazer tudo para o dividir e tornar menos cristão e católico; e maçónico.

O seu coração procurava a vontade de Deus e o bem da sua família. Exilado da Áustria,

chegou à Madeira fraco, pobre e doente. Mas sempre rico da vontade de Deus e acompanhado pela esposa, a viver a fé cristã como ele. Ia viver por pouco tempo. 1914-1922 foi período dos mais trágicos; mas esperançosos, do século XX: guerra, fim do império cristão-católico, 17 milhões de mortos; pandemia de 60 milhões de vítimas, Comunismo, Milagre de Fátima, Legião de Maria, Sementes da II Grande Guerra, de Nazismo, Estalinismo, Guerra Fria… A Alemanha não morria de amores pelo império cristão, e facilitou a ida de Lenin e Trotski derrubar o Czar multiplicando desgraças para si e para o mundo inteiro com o estalinismo feroz com efeitos ainda persistentes.

Humilhado, pobre, doente e a poucas semanas de morrer, a Madre Virgínia Brites da Paixão, à carta de 21 de março de 1922, a pedir que intercedesse pela cura de Carlos de Áustria, responde que Nossa Senhora terá feito saber que espiões tinham desembarcado para o assassinar e denegrir a sua memória; e que seria mais conveniente ele passar antes à vida eterna. Porquê lembrar este último Imperador, que terá sido também o último Homem de Estado e Cristão Católico da Europa (João Paulo II)? Destronaram-no, mas não de uma posição de integridade quase única de há um século ao presente. O que mais temiam os seus inimigos é que como político íntegro e santo o seu nome se perpetuasse na cultura europeia.

Apraz-me lembrar um outro evento centenar, humilde e pobre, de dois Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus que depois de convites de 1907 e 1920, chegaram a 7 de fevereiro de 1922, a pedido do D. Manuel António Ribeiro para prepararem a Quinta do Trapiche para ali assistirem doentes mentais. Hospedaram-se no Seminário (rua do mesmo), terão orado pelo Beato Carlos I de Áustria, quando faleceu a 1 de abril de 1922. Entretanto foram dando os primeiros passos e apelando a benfeitores para os apoiarem na sua missão de hospitalidade a gente pobre de bens e de assistência. Eram os Irmãos Manuel Maria Gonçalves, o superior e António Maria Rodrigues, madeirense, natural de Gaula. Em 5 de maio o senhor bispo D. Manuel António Pereira pediu-lhes que acompanhassem um sacerdote ao Telhal para se tratar. No dia 17 de maio regressou Manuel Maria Gonçalves, agora com o Irmão Sinforiano Lucas Feijão, co-fundador da Casa, até 1927, em que foi fundar a Casa de Saúde em Angra do Heroísmo; e onde deu a vida pela hospitalidade no dia 16 de dezembro de 1949, vítima de agressão de um doente em crise aguda. A Madeira é rica de santos pobres construtores de um mundo melhor que cuide de todos os seus irmãos como Jesus ensinou e deu exemplo e a sua vida por todos na cruz. Não é por acaso que escrevo estas linhas no dia 23 em que nesta Casa cerca duzentas pessoas, dela e da paróquia da Graça, receberam a Cruz da Jornadas Mundial da Juventude. E foi em celebração ao lado da unidade do Beato João de Jesus Adradas que em 1924 a inaugurou esta Casa com cerca de 40 doentes.

Aires Gameiro