A Guerra Mundo

Tatiana e a filha já em Caldas da Rainha ainda estranham não ouvir sirenes ou bombardeamentos

Foto: EPA/ROMAN PILIPEY
Foto: EPA/ROMAN PILIPEY

Depois de quatro dias a viajar de carro, Tatiana Hoshovska e a filha Viktóriia foram as primeiras refugiadas ucranianas a chegar a Caldas da Rainha, onde ainda estranham que não ouvir sirenes a tocar ou bombardeamentos.

Na sexta-feira, Tatiana estava em casa da mãe quando o marido chegou e disse: "isto está muito feio, vão bombardear Ivano, tens que te ir já embora com a menina".

Tatiana, de 31 anos, pegou em meia dúzia de peças de roupa e bens essenciais, pôs a filha de dois anos e meio no carro e, à hora de almoço, rumou a uma fronteira entre a Ucrânia e a Hungria, onde "por ser uma fronteira mais pequena, as filas para passar eram menores", não se esperava muitas horas, contou hoje à agência Lusa.

Mais do que os dois dias a conduzir sozinha com a filha, "sem saber o que ia encontrar", é o momento da partida que recorda como o mais difícil, ter que escolher entre por a salvo a pequena Viktóriia e "deixar para trás o marido, que está a combater como voluntário, os pais, os tios, dois primos gémeos de 14 anos", a família que não sabe "quando" ou se "volta a ver".

Na fuga ao "som das sirenes que cada vez tocavam por mais tempo" e ao barulho "dos bombardeamentos cada vez mais próximos", foi mais uma vez a voz do marido que a avisou do perigo: "a estrada onde estás vai ser bombardeada, volta para trás", dizia na mensagem que recebeu no telemóvel, reforçada com a foto de um caça a sobrevoar os céus daquela região.

Tatiana fez contas à vida, faltavam poucos quilómetros para a fronteira, e arriscou seguir em frente.

No sábado, depois de algumas horas na fila, entrou na Hungria, com destino a Budapeste, onde às 15:00 chegou o auxílio de duas amigas.

Mila Rostyerc, há 20 anos a viver em Caldas da Rainha, e a filha Viktoriya Ivasiv, a tirar doutoramento em Coimbra, desde o início do conflito ligavam diariamente à família na Ucrânia, a saber se estavam bem e a perguntar como podiam ajudar, deste lado da Europa.

"A minha avó é irmã da avó da Tatiana e quando nos disseram que ela estava a caminho da Hungria metemo-nos num avião para Budapeste e fomos buscá-la para ficar em nossa casa", contou Mila.

Às 15:00 de sábado saíram do avião e entraram no carro de Tatiana para mais dois dias de viagem, desta vez a quatro, num automóvel com matrícula ucraniana.

"Foi muito cansativo, só parámos uma horas para dormir e para comer, mas só temos a agradecer todo o apoio que recebemos nesta viagem", lembrou Mila, contando ainda que, em todas as fronteiras que pararam, a polícia assim que via que vinham da Ucrânia desejava boa viagem e aconselhava a que fossem "com calma".

Na estrada "muitos carros punham quatro piscas e deixavam passar", nas bombas de gasolina "as pessoas ofereciam chupa-chupas à menina" e por essa Europa fora não faltaram "palavras de boa sorte, disponibilidade para ajudar com indicações do caminho, perguntarem se queríamos comer, beber, ou aquecer leite para a menina", relatou.

"Não há palavras para descrever o quanto as pessoas foram impecáveis", salientou Mila.

Sobre quem ficou na Ucrânia, Tatiana descreveu o que continuam a fazer.

Em Ivano, os pais, com mais de 60 anos, "recusaram abandonar a cidade" e todos os dias abrem a loja que possuem há anos.

"Vão buscar pão, produtos essenciais que as pessoas precisam de comprar, garantir que não faltam velas e fósforos para levarem para os abrigos onde a população passa a maior parte das noites", explicou.

Os gémeos, de 14 anos, "querem combater, mesmo sendo tão novos". E o marido, entre combates, manda mensagens a pedir para, agora a salvo das bombas, não esquecer de dizer ao mundo a lista dos bens essenciais para quem está na guerra: botas, camuflados, sacos cama, coletes antibala, capacetes, ligaduras, medicamentos.

Já na lista do que precisa, Tatiana só inclui "tratar da documentação que já foi entregue no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Santarém, uma creche para a menina e trabalho", para que a vida comece aos poucos a voltar à normalidade.

Ainda a adaptar-se à cidade onde chegou na segunda-feira, estranha "não ouvir sirenes, nem o barulho dos bombardeamentos".

Mas, cá como lá, continua a viver pendente das mensagens do marido e dos familiares, "só para dizerem que estão bem e que a casa não foi bombardeada".

Um dia, espera receber a mensagem mais ansiada: "que a guerra acabou" e que pode voltar a meter-se no carro com a Viktóriia "para ajudar a reconstruir o país" que agora deixou.