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Missão da ONU investigará "mais altas cadeias de comando" por crimes na Venezuela

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A  Missão Internacional Independente para a Venezuela, no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU e presidida pela portuguesa Marta Valiñas, anunciou hoje que alargará "às mais altas cadeias de comando" as investigações sobre a situação no país.

"Estamos a alargar as nossas investigações atuais às responsabilidades mais elevadas na cadeia de comando (...) Estamos também a explorar os interesses que possam ter concorrido como motivação para estas violações e crimes", disse a presidente da Missão, durante a 49.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, tendo precisado que as conclusões vão ser apresentadas em setembro.

"Embora tenhamos identificado algum progresso nos processos judiciais internos referentes a alguns casos emblemáticos (...) as investigações do Ministério Público (venezuelano) têm um alcance limitado e foram dirigidas contra os autores materiais, de baixo nível", explicou.

Marta Valiñas explicou que em setembro de 2020, a Missão apresentou o primeiro relatório sobre abusos cometidos por agentes estatais venezuelanos desde 2014, detalhando casos de execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo violência sexual e baseada no género.

Concluiu então que existem motivos plausíveis para acreditar que algumas das condutas constituem crimes contra a humanidade.

Um ano depois, apresentou o segundo relatório sobre a resposta do sistema de justiça às violações dos Direitos Humanos e aos crimes documentados, concluindo que o sistema, tanto por ação como por omissão, desempenhou um papel importante na repressão do Estado contra opositores.

A Missão refere que o Governo venezuelano assinou um memorando de entendimento com o Tribunal Penal Internacional, comprometendo-se a adotar medidas para assegurar a efetiva administração de justiça de acordo com os padrões internacionais e que em outubro de 2021 o Ministério Público venezuelano anunciou que 185 pessoas foram condenadas por violações dos Direitos Humanos.

"No entanto, a falta de dados pormenorizados e de informação-chave sobre os crimes ou o nível de responsabilidade dos perpetradores, continua a ser um obstáculo à avaliação dos esforços efetivos do Estado para investigar e processar as violações", sublinhou.

Marta Valiñas sublinhou ainda que é necessário "resolver os problemas estruturais decorrentes da falta de independência judicial e da interferência dos atores políticos no sistema de justiça".

Segundo a Missão, a reforma do sistema de justiça, iniciada pela Assembleia Nacional em agosto de 2021, "é insuficiente, se não for implementada de modo adequado" e embora tenham sido reduzidos os prazos aplicados aos processos, incluindo a duração da prisão preventiva, "há dezenas de pessoas detidas há mais de três anos sem serem julgadas".

Em 2021, "houve duas mortes sob custódia de pessoas opositoras do governo ou que eram tidas como tal, ambas relacionadas com a falta de cuidados médicos", sendo "preocupante que pessoas identificadas nos relatórios anteriores não tenham recebido atenção médica adequada, apesar dos reiterados pedidos nesse sentido", explica.

Segundo a Missão, em janeiro de 2022 o parlamento aprovou uma reforma da Lei Orgânica do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que "aumenta a influência política sobre o Poder Judicial" e permite que aquele organismo nomeie as figuras-chave do Poder Judicial.

Por outro lado, a legislação transitória dessa reforma permite que os magistrados do STJ voltem a candidatar-se e continuem a exercer funções, superando o prazo máximo estipulado pela Constituição.

A Missão manifestou ainda preocupação porque alguns opositores, ou pessoas percebidas como tal, continuam detidos em instalações militares, apesar de reiterados pedidos para que sejam transferidas.

Preocupa ainda a Missão que o advogado Orlando Moreno, do Foro Penal (ONG que defende os presos políticos), detido desde 2017, venha a ser exemplo da utilização do sistema de justiça como ferramenta de perseguição de opositores ao Governo.

"Apesar de dois anos de pedidos ignorados, a Missão continua a solicitar a cooperação das autoridades venezuelanas. Continuaremos a trabalhar de forma independente, imparcial, objetiva e rigorosa para construir um corpo de informação credível a ser apresentado a este Conselho em setembro deste ano", explicou.

No relatório, a Missão insta o Conselho de Direitos Humanos da ONU a continuar "a prestar muita atenção aos desenvolvimentos na Venezuela e a observar se se verificam progressos credíveis no avanço da justiça, da responsabilização e do respeito pelos Direitos Humanos".