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Paulo Raimundo, o funcionário discreto e "empenhado" para reanimar o PCP

Foto DR
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Paulo Raimundo, que será eleito sábado secretário-geral do PCP, é um desconhecido nas lides mediáticas que o partido procura apresentar como um homem do povo, com quem as classes trabalhadoras se identificarão facilmente, agregador e dialogante.

A solução para a substituição de Jerónimo de Sousa foi uma surpresa para muitos elementos do Comité Central (CC), mas não para Ilda Figueiredo, da Direção da Organização Regional do Porto, com a qual Paulo Raimundo faz a ligação como membro do Secretariado do CC.

A ex-eurodeputada comunista e atual vereadora na câmara do Porto recusa qualquer "estranheza" neste processo de sucessão, afirmando que é "sempre igual" e que começa com uma auscultação a cada um dos membros do Comité Central. O momento terá sido precipitado pela vontade de Jerónimo de Sousa sair devido a razões de saúde.

"Haveria outros quadros talvez mais conhecidos, mas não é de espantar no meu partido, é natural. Esta escolha faz sentido, é um quadro mais novo, muito empenhado, é uma solução para o presente, mas projetada para o futuro", disse.

Nascido em 1976, Paulo Raimundo aderiu à JCP em 1991, e ao PCP em 1994, passando a funcionário dez anos depois, iniciando uma ascensão rápida aos organismos diretivos. Apenas dois anos depois de se filiar, foi eleito para o CC, em 1996.

Em 2000, subiu à Comissão Política, em 2016 foi eleito para o Secretariado. Em 2020, é eleito para estes dois órgãos, ao lado de nomes como Jerónimo de Sousa, Francisco Lopes, Jorge Cordeiro e José Capucho.

Para Ilda Figueiredo, Paulo Raimundo é um quadro capaz de "corporizar uma resposta forte, respostas novas" numa realidade de agravamento das desigualdades sociais e económicas, que "atingem vários setores de menores recursos".

O advogado e ex-deputado Jorge Machado, também da Organização Regional do Porto, destacou a sensibilidade do futuro secretário-geral em tarefas de organização. É "extremamente bem preparado, com grande capacidade de reflexão sobre as grandes questões nacionais". Para Jorge Machado, é ainda "importante conhecer a máquina, detetar as fragilidades, e intervir para que o partido funcione melhor".

"Ele ouve e percebe os pontos de vista. Nem sempre temos de estar em consenso, mas temos de convergir no essencial, isso é uma coisa que ele é capaz de fazer, uma pessoa terra a terra, sensato", descreve Jorge Machado, admitindo surpresa quando o nome foi conhecido: "Não estava a contar, mas numa fração de segundo pensei automaticamente, é um grande quadro."

O ex-deputado diz que "não é dramático" Raimundo não estar no principal palco político, a Assembleia da República, recordando que "o parlamento não é, para o PCP, o primeiro plano de intervenção" e defendeu que, no atual momento, as organizações do partido devem ser prioridade.

Um quadro com "capacidade perceber outros pontos de vista", que "usa mais os ouvidos do que a boca", são ainda características apontadas por Jorge Machado.

No comício do Campo Pequeno, em março passado, fez uma intervenção contra o aumento do custo de vida, da alimentação à energia, que atribuiu a uma "autêntica pilhagem liberal que há muito está em curso". E foi interrompido com aplausos quando afirmou: "do nosso lado cabem todos os que são alvo do roubo de direitos, todos os trabalhadores, portugueses ou imigrantes" e "independentemente do seu credo religioso, da sua etnia, da sua cor de pele, orientação sexual ou nacionalidade".

Paulo Raimundo nasceu em Cascais, no distrito de Lisboa, filho de pais naturais de Beja que se fixaram em Setúbal. De acordo com os dados biográficos divulgados pelo PCP, frequentou a Escola Primária do Faralhão, na freguesia do Sado, Setúbal, e passou a infância "entre a vivência "de rua" e acompanhar a mãe nos trabalhos na agricultura, nas limpezas e nas obras".

Exerceu a atividade de padeiro e carpinteiro por algum tempo - o PCP não indica quanto - e tornou-se funcionário aos 19 anos. Fez o 5.º e 6.º anos pela telescola, e frequentou a Escola Secundária da Bela Vista, onde, no 10.º ano, integrou as listas para a associação de estudantes. Acabou o 12.º ano à noite como trabalhador-estudante e não frequentou o ensino superior.

Questionado sobre se a breve experiência profissional de Raimundo o qualifica como operário, Jorge Machado responde: "Não é burguês. É uma pessoa que tem as origens que tem, que sabe de onde veio." E, se tivesse de o descrever a um amigo, o ex-deputado, em tom jocoso, atira: "é um gajo porreiro".

O ex-líder parlamentar João Oliveira, que conheceu o futuro líder nos tempos da JCP, elogia a sua "capacidade de ouvir os outros, de integrar opiniões diferentes, com grande acerto e com uma grande facilidade".

Mas o seu maior desafio, disse, é "dar projeção maior àquilo que é a resposta que o PCP tem para os problemas nacionais e a política alternativa" quando "se agravam as condições de vida do povo".

Para a direção, segundo disse à Lusa um dirigente, é ainda uma "aposta de futuro", e aquele que "pode unir e mobilizar", numa altura em que a exigência é o reforço da implantação dos comunistas nas organizações sociais, laborais, culturais e associativas.

Contemporâneo de Raimundo na JCP, o deputado Bruno Dias, eleito por Setúbal, apontou, numa publicação no Facebook, algumas das lutas em que o futuro líder comunista esteve envolvido: "Conhecem-no motoristas de autocarro em Braga, bolseiros de investigação científica em Lisboa, agricultores no Douro, trabalhadores da hotelaria no Algarve, operários da refinaria de Matosinhos e Sines".