País

Contribuição sobre lucros inesperados vai aumentar litigância

Foto Shutterstock
Foto Shutterstock

A nova contribuição extraordinária sobre lucros inesperados ('windfall profits') vai aumentar a litigância e reduzir a competitividade fiscal do país, dizem os fiscalistas que alertam que o custo da medida acabará por ser repercutido nos salários ou nos preços.

Em causa está uma contribuição que, de acordo com o regulamento europeu aprovado no início de outubro, deve ascender a pelo menos 33% sobre os lucros das empresas com atividades nos setores do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinaria que, em 2022, tenham registado lucros que ficaram 20% acima da média dos gerados "nos quatro exercícios fiscais com início em 01 de janeiro de 2028 ou após essa data".

A aplicação da medida em Portugal ficará definida numa proposta que o Governo apresentará nas próximas semanas, observado um calendário que garanta, como já referiu o ministro as Finanças, Fernando Medina, que entre em vigor até ao final deste ano.

Esta data limite para a entrada em vigor fez, de resto, com que a medida tenha de ser legislada à parte do Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), uma vez que a lei orçamental apenas entra em vigor no início do próximo ano.

Observando que a tributação dos rendimentos das empresas está alicerçado no IRC, em que "as empresas que obtenham lucros, extraordinários ou não, são tributados por esses mesmos lucros", o especialista em direito fiscal Sérgio Brigas Afonso, da CMS Rui Pena & Arnaut, considera que a criação de impostos extraordinários, além de tornar ainda mais complexa e onerosa a tributação das empresas, faz Portugal perder competitividade.

Além disso, afirmou à Lusa o mesmo fiscalista, "o conceito de lucros excessivos ou extraordinários, assentando num conceito indeterminado, poderá gerar, no futuro, litígios entre as empresas e a Administração Tributária".

Também Luís Leon, da consultora Ilya, antevê que haja contestação da legalidade/constitucionalidade desta nova contribuição por parte das empresas visadas porque, refere, está em causa um regulamento europeu que impõe um "imposto sobre lucros que acresce ao imposto sobre lucros doméstico".

Esta contribuição especial, na parte de lucros sobre a qual incide, observa Luís Leon, acresce à taxa normal do IRC, bem como às derramas municipal e estadual (na parte de lucros abrangida). Perante este contexto, afirma, "o século XXI está a tornar-se estranho do ponto de vista fiscal. O Direito Fiscal surgiu como uma forma de proteger os contribuintes do desejo de impostos por parte de governantes. Agora pacificamente aceitamos taxas de imposto acima de 60%".

Além do setor energético, o primeiro-ministro anunciou no final de outubro, durante o debate na generalidade do OE2023, que a proposta de lei que o Governo irá apresentar para a tributação de lucros inesperados também irá incluir o setor da distribuição.

"É para aplicar aos lucros de 2022, e não aos lucros de 2023, a proposta de lei que vamos apresentar para a tributação de lucros não esperados do conjunto das empresas, que não são só do setor energético, mas são também o setor da distribuição que devem pagar aqueles lucros que estão a ter injustificadamente por via desta crise de inflação", sublinhou, na ocasião o primeiro-ministro.

Em resposta à Lusa, Sérgio Brigas Afonso considera que o alargamento ao setor a distribuição não pode ser feito com base no regulamento.

"O Regulamento Comunitário restringe o seu âmbito de aplicação ao setor energético, pelo que entendo que o Regulamento Comunitário não poderá servir de base à tributação de rendimentos extraordinários de outros setores de atividade, designadamente, ao setor da distribuição", precisou o jurista.

Luís Leon observa, por seu lado, que para o setor do petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação esta taxa é criada independentemente da vontade dos Governos dos Estados-membros. "Já a questão de alargar esta contribuição a outros setores é uma decisão do Governo português", precisa.

O cofundador da Ilya refere também que quando se criam impostos sobre as empresas "quem os suporta sempre" são os consumidores e os trabalhadores.

"Os acionistas têm objetivos de retorno sobre o capital investido, por isso, sempre que os Estados reduzem essa rentabilidade por via fiscal, os acionistas procuram alternativas para recuperar a rentabilidade perdida: preços ou custos salariais. Alternativamente, decidem fechar operações e mudar de local", sublinha o fiscalista.

Já Sérgio Brigas Afonso acredita que o peso desta contribuição não deverá ser passado para o consumidor.

"Contrariamente ao que sucede nos impostos indiretos, estando em causa um imposto extraordinário sobre os lucros tributáveis das empresas, ou seja, tributação direta, não poderá haver repercussão do mesmo nos consumidores finais", precisou o jurista da CMS Rui Pena & Arnaut.