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O Afeganistão é aqui ao lado

Quando uma mãe afegã entrega, de um lado do muro nas imediações do aeroporto de Cabul, o seu filho menor às mãos de um soldado, que se encontra do outro lado do muro, sem saber se alguma vez ela conseguirá ultrapassar esse muro, está tudo dito quanto à retirada das tropas ocidentais – especialmente americanas – do Afeganistão, 20 anos depois do 11 de setembro.

Sem qualquer romantismo sobre um Mundo perfeito, cito o Papa Francisco, que há um par de dias, resumiu em mim o pensamento que desejava partilhar: “É preciso acabar com a política irresponsável de intervir e construir a democracia noutros países, ignorando as tradições dos povos”.

Quando a comunidade internacional (basicamente construída com países do Ocidente) se instalou no Afeganistão após o ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque, o objetivo era terminar com a Al-Qaeda e com Bin Laden, tendo como propósito maior dar ao povo afegão as bases para a construção de uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres e poder – cimentando a paz no território – dar condições para a prosperidade social, económica e política. 20 anos depois “morreu” a Al-Qaeda, mas existem outros extremismos e as tropas ocidentais e os seus respetivos países deixaram o Afeganistão muito igual ao que encontraram há duas décadas.

Os desígnios de implementar a paz e a democracia eram – como foram no Iraque – uma farsa. Nada se constrói de fora para dentro, entre culturas diametralmente opostas que na base tinham um acerto de contas entre fações militares. Nestes 20 anos lucrou a economia da guerra, o objetivo inicial como se sabia não foi claramente conseguido e os afegãos vão estar, como estavam, à mercê do que o país lhes proporcionava há 20 anos atrás.

Para quem pensar que “isto é uma coisa lá do outro lado do Mundo” que se desengane, porque até nós participámos nesta operação militar. Não sei se a mãe que entregou o filho menor ao militar alguma vez o voltará a ver, nem o sofrimento incomensurável que ela sentirá. Eu, pelo menos, não irei esquecer o que vi.