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Trata-se de nós

É sabido que a proximidade de eleições acelera a capacidade imaginativa de uns quantos e faz aumentar perigosamente os níveis da demagogia e da intrujice, tantas vezes associadas à ignorância. Mas ainda assim seria bom que, nestas eleições autárquicas, estes fossem os males maiores.

Porque vai valer tudo, que o objectivo é enganar, iludir, acusar outros de culpas próprias, jurar falso. Apresentam-se propostas como salvação da cidade, que são as que o executivo da Câmara do Funchal não pôde concretizar pelos boicotes feitos à sua acção quer pelos sucessivos e orquestrados chumbos dos Orçamentos Municipais, quer pelo desprezo deliberado que mereceu a possibilidade de contratos-programa. Desprezo que teve a assinatura do vice-presidente do governo.

Mas do que quero falar hoje é do prometido parque de estacionamento subterrâneo para 1 500 lugares na praça do Município.

Vamos aos factos.

Facto 1. A área desta praça (passeios descontados) é qualquer coisa como 1700m2.

Facto 2. Cada lugar de estacionamento ocupa 12,5m2.

Facto 3. Nestas contas não vão entrar corredores de comunicação, rampas de acesso ou espaços de manobra, nem entradas e saídas, nem pilares de suporte das plataformas, nem equipamentos de segurança contra incêndios. Nada, só pisos e riscos no chão a marcar lugar.

Facto 4. Vamos, portanto, imaginar que o carro está cá em cima e, por milagre, no instante seguinte está arrumado num lugar lá em baixo, nas catacumbas da praça do Município.

Facto 5. Se cada lugar ocupa 12.5m2, por piso caberão 136 carros. Donde, para arrumar os 1500 não chegam 11 pisos.

Facto 6. Tendo cada piso um pé-direito de uns 2.20m, 11 pisos correspondem a uma profundidade de 24.20m (sem contar a altura da laje de cada piso o que, caro leitor, nos levará até aos 30 metros bem medidos).

Pergunta 1: É esta barbaridade que se quer para a praça do Município?

Facto 7. Esta praça merece ser tratada como uma importante jóia da arquitectura da cidade do Funchal; para além do fontenário central da autoria do arquitecto Raúl Lino, a praça está limitada por um conjunto de importantes edifícios: o Colégio dos Jesuítas, a Câmara Municipal, o Museu de Arte Sacra e a Igreja do Colégio.

Facto 8. O Museu de Arte Sacra e a Igreja do Colégio são Monumentos Nacionais (só há mais 4 com esta classificação no Funchal) e têm naturalmente as respectivas zonas de protecção.

Pergunta 2: A criatura que fez esta proposta saberá alguma coisa da história, da importância e do significado deste lugar?

Facto 9. Trazer o caos resultante de um parqueamento com esta dimensão para esta zona nobre da cidade é, para além de tornar a baixa intransitável, pôr em causa todo o trabalho que tem sido feito na mobilidade e circulação no Funchal – que de resto tem sido nacional e internacionalmente reconhecida como cidade de excelência em políticas de acessibilidade e, por isso mesmo, premiada.

Pergunta 3. O que se quer mesmo é destruir tudo o que tem sido feito?

Facto 10. O Funchal prepara-se, com esforço e entusiasmo, para o desafio de se candidatar a Cidade Europeia da Cultura 2027.

Pergunta: É também para sabotar essa candidatura que esta criatura aparece?

Caro leitor, se nesta campanha autárquica vai mesmo valer tudo, o pior é que vai provavelmente ser a mais dura que aqui já se viu.

Temos que estar à altura de dar uma resposta firme e coesa a ataques que já começaram e se vão intensificar para intimidar e amedrontar. E o medo é o chão onde crescem a repressão e a opressão.

Temos também que estar à altura em nome do desenvolvimento, da seriedade e da honestidade. Porque a cidade, nós, que a habitamos e a fazemos, que a usufruímos e a queremos, não podemos aceitar que nos tratem como se fôssemos um bando de energúmenos ou ignorantes, sem capacidade de escolha nem carácter, que se deixam enganar por uns quaisquer vendilhões do templo.

Porque estamos a tratar da Democracia. Porque vamos a eleições pelo nosso futuro.