Crónicas

Casamentos

Os carros parados em cima do passeio, com ramos de flores em cima do capô e restos de tule anunciam um regresso à vida de todos os dias. As pessoas voltaram a casar e a escolher o Parque de Santa Catarina para as fotografias. Do lado de fora dos jardins, estão alguns convidados, eles enfiados em fatos completos e elas em vestidos vaporosos e em cima de saltos. A festa há-de ser por aí, num hotel ou num restaurante, com bolo, música e dança.

Enquanto passo pelos carros e pelos convidados das festas dos vários casamentos, percebo que se tirou a vida do ‘pause’ e que isso é bom. Pelas ruas, há casais de turistas mais velhos e, pela primeira vez em meses, atracou um navio no porto. Se não fosse a máscara dentro da mochila e eu diria que estamos como antes e, nada me dá mais essa impressão, essa sensação do que os casamentos. As pessoas casaram durante as guerras, em tempos de fartura e em épocas de pobreza.

Houve casamentos na incerteza, quando os noivos tinham guia de marcha para combater em África ou quando a revolução agitava o país. Ninguém sabia como ia ser o futuro e, mesmo assim, as noivas vestiam de branco e fazia-se uma festa. No Laranjal da minha infância, quando faltava de tudo a quase todos, as famílias empenhavam-se em ter um dia bonito para lembrar.

As senhoras iam de véspera ao cabeleireiro e dormiam sentadas para não estragar o penteado e os fatos dos homens ficavam a arejar para tirar o cheiro a mofo. Às crianças vestiam vestidos esquisitos, de tecidos ainda mais estranhos e calçavam sapatos de verniz. A ideia era ficar melhor, mas quando penso em todos os casamentos a que fomos com os nossos pais só me lembro do desconforto dos sapatos e de ver os homem com os nós das gravatas desapertados.

As festas faziam-se nos quintais e nas garagens, com mesas e cadeiras alugadas, havia música num gira-discos e um quarto com as ofertas. Serviços de loiça, panelas e copos encavalitados em cima de uma toalha de cetim vermelha. Às vezes, havia uma Nossa Senhora ou um jogador de futebol em barro com a perna a fazer pontaria à bola ou uma varinha mágica. E os adultos riam e comiam nas mesas, enquanto o meu irmão arranjava sempre amigos e eu circulava pela festa como se fosse transparente.

A mesa do bolo, forrado a creme branco, parecia-me um espanto, os pratinhos com azeitonas e doces deliciosos e tentava deitar a mão a todos os que conseguia, antes que a minha mãe visse. Ficava mal comer demais nas festas dos outros, o que diriam de nós? Os meus pais faziam por cumprir as regras: mandavam as prendas com tempo, vestiam-se a rigor e tentavam não parecer surpreendidos com os morangos com chantilly ou outra excentricidade que viesse à mesa.

Quase nunca ficavam até ao fim da festa. Ou pelo menos a minha mãe não gostava. Sei que, depois, tínhamos sempre um bocado do bolo e os noivos vinham mostrar o álbum de fotografias. Um livro gordo branco, com fotografias separadas por papel vegetal. Às vezes também nos davam aquela onde aparecíamos. A minha mãe guardava todas e o convite também, fora tudo o resto que ficava só na cabeça para contar às minhas tias nos domingos à tarde em casa do meu avô.

E no Laranjal não havia melhor história para falar do que isso, do que uma festa de casamento. Era um final feliz para os encontros e desencontros dos vizinhos, para os seus amores e para o futuro. Lá em cima, nos 70 e 80, as famílias começavam quase sempre pelo casamento.