Análise

O que nos resta

A três meses do natal, Nem ‘a festa’ se afigura como tábua de salvação dos que desanimam

Nestes dias dominados pelos estragos causados pela segunda vaga pandémica em todo o mundo, as infecções diárias com números mais altos de sempre empurram muitos para um estado de quase resignação. Mesmo que noutras paragens os inconformados se manifestem contra os confinamentos parciais, aumenta a percepção pública de impotência perante o vírus que mata e o desleixo social que o torna cada vez mais presente. Ainda ontem, no Expresso, o Bastonário da Ordem dos Psicólogos alertava para a probabilidade deste Inverno ser marcado por um aumento dos problemas de saúde mental. Isto porque “as pessoas podem começar a sentir uma espécie de desânimo aprendido”, de que não valeu a pena o esforço, o uso da máscara, as privações dos afectos e dos hábitos ancestrais. Uma aparente fatalidade que importa contrariar com vigor e que deve motivar apelos à cooperação e à solidariedade, à defesa da saúde pública e da economia geradora de oportunidades. Pouco nos resta. Temos esperança que a milagrosa vacina não demore, que os planos de resiliência não sejam anestesias de curta duração, que os empréstimos com custos exorbitantes sejam postos ao serviço de quem precisa e que o dinheiro europeu que aí vem não caia em saco roto ou em mãos alheias. E pouco mais, mesmo que o jogador mais rico do mundo tenha vindo jogar para a terra onde nasceu o melhor, porventura seduzido pelas mensagens de segurança associadas ao destino sem mortes covid. Contudo, pelo que se lê também resta a agricultura, promovida agora a solução de recurso. Mas qual? A de subsistência que não dá para o trabalho, nem tem água que lhe valha ou a que foi delineada para alimentar uma hotelaria agora com ocupações residuais e uma série de restaurantes às moscas? A dignidade dos 71% dos desempregados que na Madeira não recebem qualquer subsídio não se compadece de desafios líricos. Se apenas 5.460 das 18.900 pessoas sem trabalho na Região são apoiadas pela Segurança Social, uma realidade bem mais gravosa do que em Portugal continental e nos Açores, então urge intervir com medidas eficazes antes que os desequilíbrios sociais se avolumem e o crime em nome do dinheiro fácil ganhe contornos nunca vistos.

Há também promessas de equilíbrio ambiental garantido por um Plano da Orla Costeira que fica pronto em 18 meses mas já vem tarde. Os especialistas confidenciaram que a orla costeira da Madeira apresenta “problemas históricos” relacionados com a elevada densidade populacional e a existência de construções em zonas de risco. O problema é que omitiram a cumplicidade política que proporcionou a ocupação selvagem da nossa costa e não divulgaram qual será o custo público da urgente correcção de disfunções e da imposição de regras que libertem o litoral. E era elementar que o tivessem feito.

Há ainda incoerências gritantes na gestão da pandemia e na observância das regras em vigor. Quem espera por resultados de testes não deve sair de casa, mas há quem ignore a recomendação oficial e se julgue mais importante do que os outros. Há futebol sem adeptos mas algum público na bancada de um pavilhão a assistir a um jogo de basquetebol. O que não se compreende é que no mesmo espaço outro público que queira assistir a um jogo da mesma modalidade foi impedido de o fazer. As dualidades de critérios são dispensáveis.

Há ainda um PS que prefere os princípios aos privilégios, o que não sendo fácil de cumprir num contexto onde diversas sensibilidades não dispensam lugares é um propósito que renderá notícias.

E há coisas inacreditáveis. Um recente acordo na ‘Horários do Funchal’ merece, no mínimo, reflexão. Pagar um serviço que não é prestado é o mesmo que dizer que ninguém precisa de trabalhar para receber o seu.

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