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Crónicas

Os bons, o mau e o líder

Em plena pandemia global, Miguel Albuquerque foi o líder que a Madeira precisava

Sob a lente do vírus, tudo parece menor. Quase microscópico. O diretor clínico que não se aguentou, os défices orçamentais que fizeram história ou o novo aeroporto que teima em não se construir. Hoje, tudo isso é irrelevante. Agora, a vida desenha-se em curvas de crescimento exponencial, adivinha-se em projeções do número de infetados e perde-se em número de mortos, cuja grandeza entorpece. Dizem-nos, com acerto, que a pandemia terá um fim. Resta saber o que virá depois.

Os bons: Os profissionais

Em tempo de aperto, o mundo acorreu às varandas para bater palmas aos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, assistentes operacionais e outros tantos. Antes, pedimos-lhes o impossível. Que deixassem a família para trás e fossem para a linha da frente da guerra contra o vírus. Sem máscaras, viseiras e outros equipamentos de proteção. O resultado: 165 profissionais infetados. E, como se isso não bastasse, ainda lhes pedimos que continuassem a cuidar de todos os outros doentes que dependem do serviço de saúde público. Em troca, pediram-nos que ficássemos em casa. No mínimo, devemos-lhes esse respeito. Em Espanha, pedem aos seus profissionais a escolha dilacerante entre quem vive e quem morre. Esperemos que, em Portugal, esse dia não chegue. Os profissionais de saúde são o nosso recurso mais valioso no combate ao COVID-19. Os ventiladores podem ser fabricados e comprados, os médicos e os enfermeiros não. Mas há mais gente que continua a trabalhar para que possamos ficar em casa. Os funcionários dos supermercados que nos garantem prateleiras recheadas. Os funcionários de recolha do lixo que mantêm as cidades limpas. Os farmacêuticos que nos dão acesso a medicamentos. Os polícias e os militares que nos oferecem segurança e proteção. Muitos mais haverão. Todos eles merecem a nossa salva de palmas.

O mau: A intolerância

A História conhece bem o lugar onde estamos. Esta não é a primeira vez que enfrentamos um vírus, mas será, provavelmente, o momento em que estamos melhor preparados para o fazer. Ainda assim, temos medo. Medo por nós e pelos nossos. Por todos. O mesmo medo que tiveram os nossos antepassados, quando encontraram crises semelhantes, sem os meios que estão hoje ao nosso dispor. E não há fraqueza ou vergonha nisso. Mas há terreno fértil para a intolerância. Porque perante um inimigo invisível e desconhecido, a procura da sua origem e da culpa pela sua transmissão é a forma que temos de controlar o que julgamos descontrolado, de compreender o que a ciência não nos explica. Encontrar um culpado pelo vírus, é a nossa tentativa de dar rosto a um inimigo que não o tem. De dar nacionalidade a um inimigo que não a conhece. Foi assim que, no século 16, a epidemia de sífilis ganhou tantos nomes como o número de nações que arrasou. Na Alemanha ficou conhecida como a doença francesa e em França como a doença italiana. Para os holandeses a doença era alemã e para os japoneses a culpa era dos portugueses. Estima-se que, ao todo, a doença tenha colecionado 200 nomes diferentes. Por isso, a distância que nos separa do século 16, torna incompreensíveis alguns episódios que o vírus justificou na Madeira. Profissionais de saúde expulsos de um alojamento pelos vizinhos, uma caça ao homem lançada nas redes sociais ou o clamor pela expulsão liminar de turistas. O vírus não escolhe quem atinge, mas nós podemos escolher quem queremos ser quando a pandemia passar – do século 16 ou do século 21? Escolha bem.

O líder: Miguel Albuquerque

Numa semana em que Marcelo esteve ausente e em que António Costa estava, ainda, em estado de negação, três figuras emergiram da apatia em que o País estava mergulhado - Miguel Albuquerque, Vasco Cordeiro e Rui Moreira. O poder descentralizado revoltou-se contra a languidez do poder central. Enquanto a Madeira e os Açores reclamavam pelo encerramento dos seus aeroportos e decretavam medidas de isolamento social, as autoridades nacionais entretinham-se numa discussão estéril sobre a constitucionalidade do estado de emergência. Entretanto, com a Constituição sã e salva, Portugal chegou ao estado de mitigação e assumiu, de uma vez por todas, que perdeu a conta à transmissão do vírus. Ainda assim, os aeroportos nacionais continuam abertos, sem qualquer obrigação de quarentena para os que cá chegam, continua a não haver controlo sanitário nas fronteiras terrestres, mas livre-se quem for apanhado a passear no jardim. Perante uma crise desta dimensão, um país dispensa promessas e poesia. Precisa de liderança. Precisa de quem tome decisões, por mais difíceis que elas sejam. Em plena pandemia global, Miguel Albuquerque foi o líder que a Madeira precisava. Enquanto muitos saíram de cena, o Presidente do Governo fez o que poucos fizeram: decidiu e deu a cara, diariamente, pelas suas decisões. No entanto, a pandemia está longe do fim e o que virá a seguir será, porventura, ainda mais desafiante. Os que exigiram o encerramento da ilha, serão os primeiros a reclamar pelo efeito da medida no emprego e na produção de riqueza. Os que lhe bateram palmas, serão os primeiros a exigir resultados. Quando essa altura chegar, a memória não pode ser curta.

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