Crónicas

O bom, o mau e a desesperança

No conforto dos bastidores, estará lá Carlos Pereira. A tecer, de forma paciente, a teia que lançará sobre a nova liderança

Inês de Medeiros, socialista alienada, é presidente da Câmara de Almada. Questionada sobre as condições de vida no Bairro Amarelo, um dos bairros sociais do concelho, lembrou-se de elogiar a vista maravilhosa que tem sobre o Tejo. De tal forma que jurou, entre risos, que não se importaria de ir para lá viver. Para além da vista, o bairro tem tiros, droga, crime e muitas casas sem condições. Meio país riu-se e o outro meio indignou-se. Ninguém exigiu que a presidente cumprisse a promessa. Mas deviam tê-lo feito. Se alguns presidentes de câmara vivessem nos bairros que gerem, haveria menos bairros amarelos neste país. E menos socialistas alienados.

O bom: Madeira Island Ultra Swim (MIUS)

Vem com duas semanas de atraso, quase tantas como levaria a nadar da Calheta ao Funchal. A vencedora da prova fê-lo em menos de nove horas. Nesse tempo, pensei em trocar o destaque ao MIUS por um elogio ao Avelino Silva, responsável pela organização. Julgo que o Avelino não me perdoaria, se o fizesse. O MIUS é feito por muitos – atletas, voluntários, público e tantos outros - demasiados e demasiado importantes para serem nota de rodapé. Todos merecem repetido reconhecimento. Entre o atrevimento de organizar uma prova desta dimensão e a coragem de lançar-se ao mar para nadar trinta quilómetros, tenho dúvidas sobre qual será a maior epopeia. É isso que impressiona no MIUS. A dimensão do desafio de quem nada e a responsabilidade de quem permite nadar. Ao desafio e à responsabilidade, se calhar, apenas suplanta o potencial da prova. O mesmo potencial que tem todo o desporto ligado à natureza. Porque é genuíno, é único – porque é nosso. E não há nada mais nosso do que o mar que nos rodeia. Hoje, o MIUS parece óbvio, mas sem homens como o Avelino seria impossível. Tal como seria impensável o campeonato do mundo de natação adaptada ou de polo aquático júnior, todos na Madeira. Para além das infraestruturas, temos sorte em ter uma geração de dirigentes desportivos com coragem para sonhar, se lhes derem condições para isso. Sairemos todos a ganhar. Ainda que na primeira edição, é óbvio que o MIUS é um projeto de sucesso. E os bons projetos não têm idade. Apenas têm futuro. O do MIUS é já em 2021.

O mau: Governo da República e o aval

Primeiro, o empréstimo recusado, agora, o aval esquecido. O que deprime não é a falta de solidariedade, é a impunidade de quem a não pratica. Correndo o risco de simplificar o que não é simples, a Madeira quer financiar-se em 489 milhões de euros para fazer face às despesas com a pandemia. Para poupar dinheiro em juros, a Região pede ao Estado que avalize o pagamento. Ao país não custaria um euro, à Madeira permitiria poupar 6 milhões por ano. Parece óbvio, indiscutível, mas não resiste à distância de quem, em Lisboa, toma as decisões. Porque lá, o distanciamento em relação à Madeira é anterior ao vírus. É endémico do gabinete do primeiro-ministro e pouco varia em função de quem lá está. Esse desprezo deveria indignar a todos, mas há quem nele encontre conforto e não lhe veja problema. Por cá, ensurdece o silêncio da esquerda parlamentar em relação à atitude do Governo da República. O mesmo silêncio com que aceitaram a mentira de que as normas europeias proibiam a autorização do empréstimo à Região. Se não fosse por princípio, que ao menos fosse por tática política. Nem isso arriscaram. São demasiado bem comportados.

A desesperança: Congresso do PS

O congresso da agremiação socialista local, entretanto rebatizado “congresso da esperança”, confirmou o que há muito se suspeitava. A inédita trégua interna, que permitiu a maior representação parlamentar de sempre, deu lugar aos costumeiros ajustes de contas entre, outrora, camaradas. Aliás, não fosse a tentação socialista pela desforra interna e todo o congresso não passaria de um enorme bocejo político. A isso, não será alheio o silêncio de Paulo Cafôfo ao longo do primeiro dia, que nem a sua própria moção apresentou. Ninguém percebeu porquê. Porventura, o novo líder estaria ocupado com a purga da anterior direção socialista da nova vida do partido. Por injustiça poética, aqueles que abriram a porta do PS a Cafôfo e que, de forma abnegada, aceitaram a bizarria do presidente do partido ser número dois da lista, são cirurgicamente afastados dos frutos dessa estratégia. Essa é a grande curiosidade deste congresso. Um líder incontestado, a roçar a unanimidade, que bateu todos os recordes de votação, diminuiu-se ao ajuste de contas com o passado. Ainda por cima com quem, ao que se sabe, nem lhe era hostil. E assim, enquanto os novos donos do PS despejam, embevecidos, os anteriores inquilinos, o partido regressa ao ciclo impiedoso dos golpes palacianos. Basta ver a composição do novo senado socialista e perceber a quem foi entregue a escolha dos senadores. No conforto dos bastidores, estará lá Carlos Pereira. A tecer, de forma paciente, a teia que lançará sobre a nova liderança. Não será para breve, nem de uma única assentada. Mas quando esse dia chegar, restará a Paulo Cafôfo perguntar: Até tu, Carlos?

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