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Crónicas

O bom, o mau e o elefante

O Presidente da Câmara escreveu a Boris Johnson e inaugurou um novo pelouro: a política externa municipal

Pedro Nuno Santos, cromo repetido desta crónica, afiançou que Portugal podia ensinar outros países a fazer bons negócios. O ministro não especificou, mas os exemplos são muitos. A antiga deputada comunista Rita Rato fez um excelente negócio quando foi escolhida para dirigir o Museu da Resistência e Liberdade. Sem experiência anterior, sem formação na área e com um ingénuo desconhecimento sobre os gulags soviéticos. O museu promete! Outro bom negócio foi a escolha do novo CEO da TAP. Depois da prometida busca internacional por uma equipa altamente qualificada, a escolha recaiu sobre o filho do acionista privado. Haverá melhor negócio que este?

O bom: Cláudia Monteiro de Aguiar

O momento era de fuga para a frente. João Leão, novo ministro das Finanças, ainda nem se tinha acomodado à cadeira de Centeno e já tinha de explicar o impossível. Como negar à Madeira a facilidade que se tinha pedido a Bruxelas? Simples. Usar a União Europeia como álibi. Afinal, proclamou o ministro, as regras europeias não permitem moratórias entre entidades públicas. Sentença proferida, caso encerrado. Os pacóvios da Madeira não estavam à espera desta, pensou João Leão. Obviamente, não perdeu pela demora. No mesmo dia, Cláudia Monteiro de Aguiar questionou a Comissão Europeia sobre a veracidade das afirmações. A resposta tardou, mas chegou. Para além da moratória ser possível, a União Europeia não tem competência sobre o empréstimo da República à Região. A Comissão não disse, mas todos perceberam – o Ministro mentiu. Não foi lapso, argumento político ou matéria de opinião. João Leão inventou uma regra europeia para recusar um pedido da Madeira. E, ainda assim, o que mais choca não é a mentira, é a impunidade com que é dita e, não fosse a eurodeputada madeirense, como sobreviveria incólume. A mentira passou a ser degrau da sobrevivência política. E há quem conviva bem com isso. Do ministro nem uma palavra, da omnipresente eurodeputada socialista nenhuma atenção e do PS local o habitual vácuo. Em boa hora, Cláudia Monteiro de Aguiar desmentiu João Leão e relembrou a importância que uma eurodeputada tem para a Madeira. Fê-lo com trabalho e sem ter que açambarcar, diariamente, as folhas dos jornais.

O mau: Plano de recuperação 2020-2030

Na verdade, o plano não é bem um plano. É mais um manifesto de boas intenções. Bem escrito, abrangente, inspirador, quase espiritual. Mas de plano económico tem muito pouco. Não há prazos de execução, não há meios de financiamento, nem sequer uma avaliação do custo das propostas. Em certa medida, o plano de Costa e Silva quer ser sobre tudo e acaba a ser sobre nada. À boa moda portuguesa, é o plano de um só homem. Providencial, heróico, quase sebastiânico. Por contraste, o governo francês entregou o seu plano a uma equipa alargada de especialistas de renome. Entre eles, um Nobel da Economia. O plano português prolonga-se por 120 páginas, divide-se em dezenas de propostas que se desmultiplicam em outros tantos sub-planos. Um labirinto de planificação. Na Alemanha, o governo produziu um plano com 35 páginas. Curto, pragmático e com medidas de auditoria da execução. Provavelmente o plano alemão será cumprido, o português será retalhado ao gosto de cada ministro e esquecido numa gaveta. Se calhar, para a Madeira, essas são boas notícias. Primeiro, porque o plano sofre da costumeira miopia continental, reservando para a Região a sucursal de uma universidade imaginária. Segundo, porque permite ao Governo Regional aprender com os erros dos outros. O próximo orçamento regional tem que ser planeado em conjunto com a sociedade civil. Se o falhanço do plano nacional servir para tirar o orçamento regional dos gabinetes governamentais, já terá valido a pena. Afinal, há males que podem vir por bem.

O elefante: Augusto Santos Silva

O Ministro dos Negócios Estrangeiros está para a diplomacia internacional, como um elefante está para uma loja de porcelana. Cada vez que se mexe, o país sustém a respiração. Num tempo em que a Europa se afunila em corredores aéreos, Portugal entregou a sua diplomacia ao inenarrável Santos Silva. Primeiro, lembrou aos portugueses, presos em território estrangeiro e desesperados por regressar a casa, que os consulados e embaixadas não são agências de viagens. Agora, o ministro lançou-se ao governo britânico com a violência verbal digna de um final de noite num qualquer pub inglês. Gritou, ameaçou e até convidou os ingleses a fintar Lisboa e a viajar diretamente para o Algarve. Uma espécie de carta do Monopólio: avance para a casa de partida, sem passar pela prisão. António Costa ajudou com um gráfico nas redes sociais. Marcelo apelou à mais velha aliança diplomática. Ferro Rodrigues facilitou, mantendo o silêncio. Até da Câmara do Funchal chegou uma mão amiga. O Presidente da Câmara escreveu a Boris Johnson e inaugurou um novo pelouro: a política externa municipal. Não se conhece resposta à missiva, mas já há planos para abrir balcões do munícipe em todos os cantos do mundo. Enquanto o país brinca aos diplomatas, vários países europeus fecharam a porta a quem viaje de Portugal ou, pelo menos, criaram restrições à entrada. Quanto ao Reino Unido, o Governo já avisou que pouco mudará. De milagre a desastre, foi um ápice. Ao menos temos a Liga dos Campeões.

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