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O Cachalote

Há dias em que, quando nos lançamos ao mar, sabemos que vão ser mágicos. Mesmo tendo em conta que o oceano prega-nos muitas vezes partidas, por vezes o instinto sussurra-nos ao ouvido coisas que só nós, homens do mar, entendemos.

É raro encontrar daquelas condições. Vento do quadrante sul. Sol. Mar liso. Mais ainda no verão. Assim, quando arranquei sem destino nem hora para regressar, de uma praia de calhau no Caniçal, o dia prometia. Comecei pela Baía d’Abra, voando sobre baixios, deliciado com as cores do fundo, fascinado pelas águas cristalinas e maravilhado pelo pano de fundo, daquela rocha avermelhada, esculpida há tanto tempo. Dali, segui para o Boqueirão.

Nunca o havia atravessado no sentido oeste-leste. A corrente contra era incrivelmente forte, mas estas novas pranchas voadoras, passam por cima de toda a turbulência e, num ápice, estava na costa norte. A baixa da Badejeira foi a seguinte passagem. O azul profundo do mar deu lugar a tons mais esverdeados, à medida que passava voando por cima daquele baixio, num dia estranhamente calmo. Como pano de fundo, o ilhéu da Ponta de São Lourenço, e lá bem no alto, protegido, no topo daquele rochedo de pedra negra, que durante milhões de anos desafiou o mar, o farol.

Com vento de sul suave, irresistivelmente lancei-me mar adentro. Quando dei por mim, quase tocava no Ilhéu do Farilhão nas Desertas. Daquele ângulo, podia ver ambos os lados da Deserta Grande, com suaves nuvens brancas estacionadas no topo. Virei-me e contemplei a Madeira. Também os seus picos estavam mergulhados em algodão branco, mas o resto da ilha parecia flutuar no imenso azul. Mais à direita, o Porto Santo era perfeitamente visível. Tão perto...

O regresso foi fascinante, acelerando cada vez mais à medida que ganhava confiança, equilibrando-me naquele delicado equipamento, suspenso meio metro acima da linha de água. 21, 23, 25 nós. Cada vez mais depressa, cada vez mais fascinante, viciante. Até que a vi.

No meio de todo aquele mar, cruzava-me com um enorme animal, um cachalote. Sem pressas, delicadamente, seguia para leste, indiferente ao meu espanto. Ainda naquele dia vira golfinhos e tartarugas. Mas a majestosidade deste cachalote impressionou-me. Cumprimentamo-nos e cada um seguiu viagem. Duvido que ele se vá lembrar de mim, mas eu jamais esquecerei este encontro, esta proximidade com tão incrível baleia.

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