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Verdes querem eliminar termo “raça” da Constituição alemã

O tema é polémico há vários anos, mas foi reavivado com os protestos anti-racismo das últimas semanas após a morte de George Floyd

Foto Shutterstock/Lois GoBe
Foto Shutterstock/Lois GoBe

Os ecologistas na Alemanha, a segunda maior força política do país, propuseram esta semana a alteração da Constituição para eliminar o termo “raça”, com os protestos pela morte de George Floyd a reavivar um debate com vários anos.

“É tempo de esquecer o racismo, todos juntos”, defendeu o líder dos Verdes alemães, Robert Habeck, num artigo de opinião publicado no jornal de esquerda Tageszeitung, citado pela agência de notícias France-Presse (AFP). “Um sinal forte neste sentido seria retirar o termo ‘raça’ da Lei Básica”, propôs.

A Lei Fundamental de 8 de maio de 1949 é um pilar da Alemanha democrática, um diploma marcado pelo desejo de evitar a perseguição de minorias, após o Holocausto.

A passagem criticada da Constituição alemã é o artigo 3.º, que estabelece que “ninguém pode ser discriminado ou privilegiado em razão do sexo, ascendência, raça, língua, pátria e origem, credo, religião ou opinião política”.

Para os ambientalistas, “não há raças, há seres humanos”, defendendo que a Constituição do pós-guerra continua imbuída de uma visão obsoleta dos seres humanos, herdada do século XIX.

A reivindicação, apresentada há anos pela esquerda, tinha ressurgido em fevereiro, após um ataque racista em Hanau, quando um alemão matou nove pessoas de origem estrangeira.

Os Verdes já receberam o apoio do partido de esquerda radical Die Linke, do Partido Liberal alemão (FDP), à direita, e do Partido Social-Democrata (SPD), parceiro minoritário na coligação governamental com os conservadores de Angela Merkel.

O influente chefe do Gabinete Federal Anti-Discriminação, Bernhard Franke, defendeu igualmente a abolição do termo “raça”, propondo a sua substituição por “discriminação racial”, como já aconteceu em parte a nível estatal.

O ministro do Interior, Horst Seehofer, conhecido pelas suas posições tradicionalmente muito conservadoras, também disse que está “aberto à discussão”.

“Não me vou meter no caminho” de uma possível mudança, disse Seehofer na quarta-feira, frisando no entanto que considerava a discussão “um debate teórico” e defendendo que era mais importante “conter o racismo na prática”.

O Ministério da Justiça, uma pasta social-democrata, defendeu no entanto o termo, colocando-o num contexto pós-guerra.

Em declarações citadas pela AFP, uma das porta-vozes daquele Ministério, Stephanie Krüger, apontou que a inclusão do termo na Constituição não “indica claramente a existência de diferentes raças humanas ou qualquer aceitação nesse sentido”, sublinhando que os autores da Lei Básica “estavam precisamente preocupados em enviar um sinal claro contra a mania racial” defendida pela ideologia nazi.

A porta-voz apontou ainda que o termo “raça” é o “ponto de partida linguístico para o termo racismo”, contra o qual o Governo quer “tomar medidas claras”.

O jornal conservador Die Welt ironizou: “Alguns alemães fizeram agora progressos tão maravilhosos que acham a palavra ‘raça’ insuportável [...]. No entanto, não mandam os filhos à escola com os muitos árabes e turcos, mas sim a um local onde encontrem a sua etnia. E é exatamente isso que é preciso mudar”.

Apesar da discussão, os obstáculos à mudança da Constituição são significativos, já que qualquer alteração à Lei Básica requer uma maioria de dois terços no Parlamento.

Os protestos anti-racismo que começaram nos Estados Unidos após a morte de George Floyd às mãos da polícia, e se espalharam por todo o mundo, estão a levar a uma reavaliação do problema em vários países, passando pela remoção de estátuas e símbolos, revisão de dicionários e de políticas anti-discriminação.

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