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Crónicas

O bom, o mau e a bomba atómica

Em 2012, o Banco de Inglaterra escolheu o seu governador por concurso internacional. O escolhido foi o canadiano Mark Carney. Em 2020, o Banco de Portugal escolherá o seu governador através de uma lotaria entre os amigos do primeiro-ministro. Curiosamente, isso não é o mais grave. O plano de recapitalização da banca, a solução para o Novo Banco ou a reforma da supervisão financeira do ministro Centeno, serão fiscalizadas pelo governador Centeno. Vai correr tudo bem, pelas piores razões. Se se tratasse de um jogo de futebol, Centeno seria jogador na primeira parte e árbitro na segunda. Por isso, chamar Ronaldo a Mário Centeno não é um elogio ao ministro, é um insulto ao madeirense.

O bom: Visitas Cantadas

Botta dizia que os museus são sítios espirituais, porque baixamos a voz quando nos aproximamos da arte. Para muitos, o maior sacrifício que o vírus impôs foi o adiar da espiritualidade pelo encerramento das catedrais. As religiosas e as artísticas. Talvez por isso esta iniciativa tenha vindo na altura ideal. As “Visitas Cantadas” são um conjunto de vídeos que nos levam a deambular por vários museus da Região, ao som da música de artistas madeirenses. Sob a batuta da Vânia Fernandes, da Cristina Barbosa, do Tiago Silva, da Lidiane Dualibi e de outros tantos, os museus e solares ganham ritmo. A beleza dos espaços apura-se com o embalo das vozes. Mas as “Visitas Cantadas” também são um sinal aos artistas que, de repente, ficaram sem rendimentos. Os espaços e os eventos culturais estão parados, mas não podemos ficar sem cultura. Esse será o desafio dos próximos tempos. A cultura precisa de se reinventar, de encontrar novas formas de chegar ao público, sem deixar para trás os artistas que a tornam possível. As “Visitas Cantadas” são um primeiro passo nesse sentido.

O mau: Ana Gomes

Ana Gomes é da classe dos socialistas com o Partido Comunista escondido na gaveta. É uma espécie de pragmatismo ideológico, de quem se rendeu à impossibilidade prática do socialismo, mas não abdica da sua narrativa, nem do seu vocabulário. E foi do alto da sua autoridade moral, que Ana Gomes comentou a compra de 30% da Media Capital por um empresário do Porto. “Já chegámos à Madeira?”, perguntava a socialista, enquanto insinuava, pela enésima vez, que somos um paraíso fiscal. Se a ignorância é atrevida, no caso de Ana Gomes, também é esquecida. É grave que quem passou pelo Parlamento Europeu não saiba que a Madeira é uma região ultraperiférica e que, por isso, tenha direito a um regime fiscal mais favorável. É triste que uma eurodeputada portuguesa, durante o seu mandato, tudo tenha feito para acabar com o nosso Centro Internacional de Negócios. E, não o conseguindo, persista na calúnia. Mas a Ana Gomes que denuncia, que aponta o dedo, que exige justiça, já teve outra vida. Em 2009, a socialista batia palmas enquanto José Sócrates pedia nova maioria absoluta. Todos sabemos o que viria a seguir. Durante esse período negro, não se conhece a Ana Gomes uma reclamação que seja. Hoje, transformada em justiceira do reino, Ana Gomes prepara-se para tirar a extrema esquerda da gaveta e ensaiar uma corrida a Belém. Quem a apoia, anseia por um confronto com André Ventura. Na verdade, até estão bem um para o outro.

A bomba atómica: Eleições antecipadas

Se a vida dá muitas voltas, a política dará muitas mais. Que o diga Miguel Albuquerque, que seis meses depois de ser eleito, se vê numa encruzilhada entre uma candidatura presidencial e a demissão do seu governo. A ficção política não escreveria melhor argumento. Mas se o desafio a Marcelo Rebelo de Sousa fica num futuro distante, e por isso incerto, a precipitação de eleições regionais terá efeitos imediatos e consequências imprevisíveis. Em última análise, é a maioria que está em causa. Partilhada e por isso limitada - é certo - mas uma maioria que permite governar. A parada não podia ser mais elevada. Ainda assim, a demissão do Governo tem mais de bomba inteligente do que atómica. O esforço financeiro que será pedido à Madeira no período pós-pandemia, não se enquadra nas atuais regras orçamentais. É inegável. Porque foram regras pensadas para tempos normais e os que vivemos são de clara exceção. O silêncio de António Costa sobre o assunto, deixa antever que o que Lisboa pede a Bruxelas, não está disposto a permitir à Madeira. A recusa socialista abre dois caminhos a Miguel Albuquerque. Primeiro, fica a cozinhar em lume brando durante os próximos 4 anos, sem capacidade financeira e amarrado a um orçamento que não lhe serve. Segundo, dá um murro na mesa e força uma clarificação sobre a relação financeira entre a Região e o Estado. Se os socialistas emendarem a mão, Albuquerque reclamará vitória e terá 4 anos para pôr em prática o que conquistou. Se Costa insistir na recusa, o PSD irá a eleições com um líder com popularidade renovada. Pela frente terá um PS local à deriva e um candidato socialista que parece um balão a esvaziar-se. Afinal, quem tem mais a perder - Costa ou Albuquerque? Tem a palavra a Assembleia da República.

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