Crónicas

Não ouvir, não falar, não ver

1. Livro: “O Presidente”, de Miguel Angel Astúrias. A história de um feroz ditador e a brutalidade que usa para se perpetuar no poder. Um excelente livro para que não nos esqueçamos dos perigos que a democracia corre e para que não tenhamos a liberdade por adquirida.

2. Disco: “The Slow Rush”, dos Tame Impala. Vão ouvir e, depois, digam-me qualquer coisa.

3. Alguém que diz barbaridades e se justifica como não sendo racista dizendo que tem amigos pretos, não é só racista.

Alguém que quer justificar a estupidez de uma atitude racista com outras atitudes que nem sequer são comparáveis, para assim lhe diminuir a gravidade, não é só racista.

Alguém que acha que o insulto faz parte do jogo e sempre foi assim, não é só racista.

Alguém que escolhe acolher opiniões de racistas como válidas, não é só racista.

Um racista nunca é só racista.

4 Conseguir, num minuto e meio, falar de eutanásia, dos Pastorinhos de Fátima, de Hitler, do nazismo, dos cuidados paliativos, do referendo e, pelo meio, ter evitado engolir a língua, não tem nada a ver com o mais asqueroso populismo que este país alguma vez viu.

5. “Fazer propostas e não dizer quanto é que custam”, não é populismo, é demagogia. “Falar e não dizer nada”, não é populismo, e bullshit. “Governar para interesses, corporativos e sindicais” não é populismo, é corporativismo. “Ser sempre politicamente correcto e alinhado com a maioria” não é populismo, é o puritanismo idiota que, no limite, leva à ditadura das minorias sobre as maiorias. Dizer o que se pensa não é populismo, é liberdade de expressão, mesmo que o dito seja uma enorme idiotice.

A definição comummente aceite é a que define populismo como a ideia de que a sociedade está dividida em dois grupos: o “nós” e o “eles”. “Nós”, o povo puro e imaculado, e o “eles”, as elites corruptas. Simplificar, para que a mensagem seja engolida e regurgitada mais depressa. E isto serve para a direita e para a esquerda. É tudo populismo. Não o há do bom e do mau.

O que difere a direita da esquerda populista é o modo. A esquerda, porque colectivista, não centra tudo numa pessoa e a direita é mais “caudilhista”, procurando criar o mito do líder a que nada macula. É ele que representa a vontade do povo, de todo o povo, mesmo que eleito por “meia dúzia” de votos. O líder, de um lado, a defender o povo, do outro lado, onde estão todos os seus inimigos. Um mundo a preto e branco onde a cor é quase um crime pois só serve para baralhar. Tudo o que é para combater, está personificado no “sistema”, seja lá isso o que for. Houve um presidente do Sporting que, cada vez que a vida do clube corria mal, atribuía isso ao “sistema”. Uma coisa etérea que nunca se consegue definir.

Uma das características do populismo de direita prende-se com a detecção de fobias sociais e a sua diabolização. Sempre em linguagem directa e terra a terra, para que o povo perceba depressa que a luta é entre o “nós” e o “eles”. Os ciganos, a preta, os imigrantes e muita treta à mistura. À esquerda, são as políticas identitárias ou a divisão cultural. Tudo isto dito com a liberdade que, muitas das vezes, uns querem negar aos outros.

À esquerda, a exploração dos sentimentos antielitistas, a mesma oposição ao sistema e a arrogância de ser o legítimo representante do povo. O anticapitalismo, o combate à democracia liberal, à sociedade de classes, o igualitarismo, o populismo inclusivo. Se a direita populista vê no americanismo bacoco ultraconservador, da dita América profunda, o “santo graal”, a esquerda, por oposição, diaboliza e atribui aos EUA a origem de todos os males.

“O sistema democrático é muito complicado e tem sempre muita gente”. “Querem todos é mamar”. “Custa muito dinheiro”. Tanto à direita como à esquerda, adoram a “democracia directa” comicieira e o “referendarismo”. E ambos têm muitos tiques de autoritarismo.

E, depois, temos as leituras da percepção. Usar essa percepção como modo de apresentar o pouco que há para dizer.

Como cereja em cima do bolo acrescente-se, a tudo isto, uma linguagem rude e sem papas na língua, um modo de estar e dizer que os diferencia de todos os outros que andam na política, parecendo que estão eternamente em campanha eleitoral. Negatividade, quase antipolítica, em relação ao “establishment” e uma capacidade de, a todo o momento, se adaptar ao que o interlocutor, de quem procura o apoio, quer ouvir: “estes são os meus princípios, mas, se não gostarem, arranjo outros”. Et le voilá!

6. Passaram 10 anos sobre a tragédia do 20 de Fevereiro. Cada um de nós viveu, e reagiu à sua maneira, à catástrofe que nem nos vergou, nem nos destruiu.

Foi por uma vontade inquebrantável que nos erguemos com rapidez. Uma vontade que nos caracteriza e define. Não somos melhores nem superiores a ninguém. Somos diferentes e iguais nessas diferenças.

7. A pressão sobre as nossas ribeiras, não pode continuar. O Governo Regional continua preso aos interesses que decidiu representar e permite, todos os dias, a destruição de um património que a todos pertence.

Sempre que se denunciam situações de ilegalidade e de falta de clareza, levamos com desculpas titubeantes e que nada explicam. Que não sabiam, que vão ver, que vão tomar medidas. E assim ficam, até serem confrontados com nova “descoberta”.

Compete ao Estado a fiscalização da legalidade daquilo que regula. Deve regular o essencial e fiscalizar muito o seu cumprimento. Não se entende esta total falta de fiscalização, de uma coisa que salta à vista.

Em relação a isto, e a muitas outras coisas, o Governo da Madeira parece os “três macacos”: não ouve, não fala e não vê.

Exige-se mais, muito mais.

8. O que se passa na saúde ultrapassa toda a razoabilidade e prejudica a capacidade de entendimento de um santo. Tenho uma enorme dificuldade em entender a persistência de uma teimosia, em entender que se tenha escolhido a saúde para um braço de ferro que não pretende mais do que acertar nomeações, em entender que seja aqui que se pretende demonstrar autoridade.

Para todos nós, comuns cidadãos, isto só nos pode preocupar. O que se pretende da saúde é que a tenhamos, que não haja assuntos que a tragam para as primeiras páginas dos jornais, a não ser por bons motivos.

Não é isso que temos tido.

Somos bombardeados, todos os dias, com tensões, divergências, afirmações de posição que não nos podem sossegar.

Não podemos permitir que um sector tão sensível como este sirva de arma de arremesso entre os partidos que compõem uma coligação autofágica. Mário Pereira e o CDS teimam em não perceber que estão a ser comidos, todos os dias, pelo PSD. Se já deram por isso, só o podem aguentar por puro masoquismo. Ou por pura embriaguez de quem é o dono da chave da retrete.

Basta. Assim, não podemos continuar.

9. “Existe apenas uma maneira pela qual a agonia mortífera da antiga sociedade e os sangrentos estrondos da nova sociedade poderem ser reduzidos, simplificados e concentrados, e essa maneira é o terror revolucionário.” – Karl Marx in “The Victory of the Counter-Revolution in Vienna”