Crónicas

Da Saúde e do Mar

1. Eu sei que vivemos tempos em que o acusar é fácil, em que a suspeição paira sobre a cabeça de todos. Desconfiamos, duvidamos, presumimos, conjecturamos, calculamos e, acima de tudo, tornamo-nos facilitistas no julgamento. Encerramos dentro de nós todo o processo de investigação, julgamento e condenação. Fazemos tudo isto em cinco míseros minutos e, rapidamente, sentenciamos a vida dos outros. Falo na primeira pessoa do plural, porque não tenho a presunção de ser diferente de ninguém. Passo por todo este processo e, se possível, até lhe queimo etapas.

A diferença está no facto de fazer parte de uma minoria que, no final, acrescenta um factor que faz toda a diferença: paro para pensar. Faço o caminho ao contrário sobre os meus próprios passos, voltando ao início e revendo o que tão rápido fui em julgar.

Na passada semana reuniu a Comissão de Inquérito sobre a Medicina Nuclear da ALM com o médico Rafael Macedo. Foram ali proferidas acusações gravíssimas contra médicos e serviços hospitalares. Algumas delas, prefiguram assassinato (sim eu sei o que escrevi) por negligência. Outras, a ocultação do facto de terem morrido pessoas com infecções hospitalares. Nas redes sociais e “enquanto o Diabo esfrega um olho” fizeram-se os julgamentos e lavraram-se as respectivas sentenças. Caso encerrado, venha o próximo.

2. Uma das questões que me fazem espécie, tem a ver com o facto de uma Comissão, que se destinava a investigar e a concluir sobre a saúde, na perspectiva da Medicina Nuclear, num instante passar a discutir medicina. Saúde é saúde e medicina é medicina. Nós, os leigos, podemos facilmente saber um pouco de saúde com algumas leituras se o quisermos, mas nunca por nunca, a não ser que lhe façamos o curso, iremos perceber a ponta de um corno de medicina.

Como é que qualquer de nós pode agora ir de consciência tranquila ao médico? Como podemos sentir que o fazemos com segurança, quando um deles vem fazer acusações públicas de enorme gravidade? Estamos nas mãos de incompetentes, de gente sem escrúpulos? Depois disto, como não fugir do SRS? Como não deixar de ir a uma consulta no privado, porque um incompetente é um incompetente trabalhe ele onde trabalhar?

Pela parte que me toca, todas as vezes que tive que recorrer aos serviços públicos de saúde, apesar das muitas falhas, nunca fui mal atendido. Fui-o com profissionalismo e atenção. Quando lá vou, não procuro tratar males da alma (pelo menos por enquanto). Quero clareza, eficiência e rapidez.

Temos de começar a culpar os médicos pelas listas de espera ou isso deve-se a más opções dos decisores da saúde? A inexistência de camas, que levam a que por vezes os doentes fiquem espalhados pelos corredores, é da responsabilidade dos médicos ou da administração da saúde? A falta de medicamentos e de instrumentos de diagnóstico, é culpa dos médicos ou de quem tem a seu cargo a gestão da saúde? O papel higiénico, as toalhas, o sabão, vamos culpar os médicos por isso?

Transformar os inúmeros problemas do Serviço Regional de Saúde reduzindo-os a uma “guerra de médicos”, não tem sentido absolutamente nenhum. O SRS está degradado, é disfuncional, lento, desadequado, perdeu o norte em termos de prioridades, falta-lhe liderança. Não ter isto em atenção, é distrairmo-nos do que é o importante, é virar as costas à essência e importância da questão como um todo, olhando só para uma pequena parte.

3. Se pelo lado de Rafael Macedo os “estragos” que fez entre os seus colegas são muitos, pelo lado do SESARAM o assunto foi tratado como se este serviço fosse um elefante dentro de uma loja de porcelanas. A suspensão do médico em causa retira-o do panteão da denúncia e cria um mártir.

4. As acusações são gravíssimas e têm que ser provadas. Não vivemos, felizmente e para desagrado de muitos, num estado onde a justiça se faz na rua. Deixar que acusações sejam lançadas sem a respectiva investigação e que a prova seja apurada, é justiça de bordel, é o facilitismo do costume, perigoso, denotador de ligeireza no julgar e evidente demonstração de populismo barato. Exijo, exigimos, saber se as acusações são verdade ou mentiras. Recuso-me a viver numa terra onde acusações tão graves, como as que ouvimos, são feitas na nossa casa da democracia e nada acontece depois disso. Que as investigações que se impõem sejam feitas e que concluam de modo convincente, livre e imparcial sobre o que foi revelado.

5. E pensar que, em breve tenho, de ir fazer um exame à próstata.

6. Cláudia Monteiro de Aguiar propôs um Centro Europeu de combate à poluição marinha na Madeira. Aparentemente uma boa ideia não passasse, e a senhora deputada sabe disso, de um mero soundbyte. A ideia foi apresentada na Conferência de Alto Nível sobre o futuro dos oceanos no Parlamento Europeu. Em plena pré-campanha, era preciso dizer qualquer coisa e “lá vai obra”.

Porque era preciso sustentar a ideia com argumentos saiu-lhe, entre outras, coisas, que: “não temos apenas de limpar oceanos, precisamos deixar de poluí-los”, uma frase digna da profundeza de Sara Cerdas quando, pela experiência, se lhe esperava melhor.

Se avançamos com uma proposta deste calibre, porque efectivamente é uma coisa em grande, temos de ter em conta que isso implica que, localmente, já existam “apetências” para esse fim. E temo-las? Temos zero. A Madeira nem do cluster português da Economia do Mar faz parte em termos oficiais, apesar da SDM constar da lista de parceiros (e deve lá estar por causa do registo de navios).

Vivemos no meio do mar e, no entanto, parecemos estar virados de costas para ele. Se tiverem o trabalho de ir verificar quem compõe o Fórum Oceano encontrarão por lá Institutos, Fundações, Empresas, Universidades, Municípios, uma multitude de organizações que pensam estas coisas.

Quais são as nossas competências especiais no combate à poluição ao nível europeu e mundial? Quais são as condições especiais que a RAM apresenta que justificariam uma aposta tão assertiva por parte da Comissão Europeia? Porquê a Madeira e não os Açores, ou as Canárias, ou um território ultramarino francês? Porquê esta área de especialidade, quando o Observatório Oceânico há muito vem defendendo uma aposta musculada na interface Mar-Atmosfera, onde realmente existe massa crítica intelectual a acrescentar à produção científica? Quem vai pagar um navio de investigação, que custa largas dezenas de milhões de euros para adquirir e manter, para que nos possamos posicionar como actores relevantes no conhecimento do complexo da dispersão de poluentes ao nível oceânico?

Infelizmente a Universidade da Madeira padece do mesmo mal. O mar é pouco mais do que uma coisa que nos envolve quando devia ser uma das mais importantes ferramentas propiciadoras de desenvolvimento urgindo, por isso, que nos posicionemos de modo a estarmos na primeira linha para podermos, então, ter condições para receber coisas como a proposta por Cláudia Monteiro de Aguiar.

O fundo EEA Grants (Islândia, Noruega e Liechtenstein) disponibiliza 102,7 M€ para, entre outras coisas, o Crescimento Azul. Está a Madeira a posicionar-se para poder contar com os apoios disponibilizados? Estando quase no fim o período de programação deste fundo, quanto foi adstrito à RAM? Foi alguma coisa feita pela Sra. Deputada, mesmo que ao nível da sua magistratura de influência, para aproveitar esta e outras oportunidades?

Isso sim, é que seria importante e vantajoso para a Madeira.

7. “Termos partidos leninistas e trotskistas a conviver com pessoas comuns é um luxo para o cidadão português interessado em História. É como um paleontólogo ter um Brontossauro de estimação no quintal” - José Diogo Quintela