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Síndrome da “aposta no cavalo certo”

Não podemos é aceitar que o fator decisivo de decisão ou tomada de posição seja um descaracterizado interesse egoísta imediato.

Em diversas circunstâncias, normalmente eleitorais, ouvi comentários de pessoas que se movem em circuitos específicos, e muitas vezes em enredos curiosos, exteriorizando a angústia, não da escolha em si, mas daquilo a que elas próprias, de forma quase ingénua, ou talvez descarada, assumiam como a necessidade de “apostar no cavalo certo” ou no “cavalo vencedor”. Essas pessoas procuram normalmente suspender o processo individual de decisão ou tomada de posição, num tempo em que apenas tentam perceber quem vai ganhar. Essa é a única preocupação: apoiar quem vai ganhar.

Não decidem por si, não olham para dentro, mas apenas para as circunstâncias de oportunidade. Muitas vezes afirmam que estão em reflexão, mas não. Não se trata de uma reflexão, mas sim de um processo primário de análise egoísta e interesseira. Renunciam, em absoluto, a qualquer construção mais profunda, a qualquer encontro interior, e procuram apenas a superficialidade da oportunidade ou, nalguns casos, a sobrevivência desesperada; no fundo, querem somente algo que lhes assegure um retorno imediato, mesmo em posições que possam contrariar uma aparente identidade construída. Vivem tão angustiadas com a escolha do “cavalo certo”, que acabam por largar as rédeas da sua própria vida.

São percursos camaleónicos de incoerência ou esquizofrenia, que subsistem de uma forma mais ou menos subtil. Renunciam a quase tudo para viverem num vazio de ilusão que assumem com aparente naturalidade. Chegam mesmo a acreditar que atuam dentro da normalidade. Deixam as rédeas do seu caminho e vagueiam. Acabam evidentemente desacreditadas em percursos de curto prazo. Insistem em manter territórios que não são seus, porque nada fizeram para os merecer. Não têm mérito. Muitas vezes, acabam por cair no ridículo. Os ciclos naturais encarregam-se depois, porventura, de repor alguma justiça.

É evidente que vivemos num mundo de ambições, de desafios e de oportunidades que devemos fazer por merecer. O momento da escolha individual poderá ser complexo, mas nunca deve implicar que se esqueça o nosso passado, a nossa identidade, a nossa história, o nosso caminho, valores estruturantes, princípios basilares fundamentais, as nossas convicções mais profundas e a nossa missão. Não podemos é aceitar que o fator decisivo de decisão ou tomada de posição seja um descaracterizado interesse egoísta imediato.

O plano pessoal e o plano profissional não se confundem em absoluto, e é em cada plano que devemos saber refletir e atuar com dignidade, respeito e elevação. Aliás, o que distingue o profissional de excelência é precisamente a capacidade de assumir essa dimensão, dando o melhor de si, para além de qualquer circunstância pessoal. É a capacidade de colocar o melhor da pessoa ao serviço de um dever profissional, para além de qualquer fator pessoal colateral, quer seja de cariz ideológico, político, religioso, económico, cultural ou social.

Devemos continuar a acreditar no mérito, na competência e na independência. Numa sociedade livre, que espero um dia justa, em que cada um deve agir coerentemente, de forma serena e consistente, essencialmente em função das suas convicções pessoais, profissionais, ideológicas, políticas e culturais, sem que estas tenham de se confundir.