Crónicas

Oh, Oh, Oh... Ou como sou afectado pelo Natal

Aqui chegados desejo-vos a todos o dobro daquilo que me desejarem

1. Como banda sonora, um dos que é considerado pela revista Rolling Stone como um dos melhores discos de todos os tempos: “A Christmas Gift for You From Phil Spector”. Imprescindível para uma Festa bem passada.

2. Para ler, o imprescindível “Conto de Natal” de Charles Dickens. Ler, reler, tresler, como queiram.

3. Hoje em dia sei que é chegado o Natal quando levo com a Leopoldina e com a Popota... noutros tempos não era assim.

4. Lembro-me bem de começar a comemorar a Festa com as primeiras Missas do Parto. Conforme a idade me vai aumentando o currículo, cada vez o Natal me sabe a menos. A minha Festa, hoje em dia, começa cada vez mais tarde e acaba cada vez mais cedo. Mas tenho saudades, muitas saudades de um tempo irrepetível em que o consumismo não existia e não se contabilizava o sucesso da época em termos do contabilístico “dever e haver”. A felicidade tinha a ver com o facto de estarmos todos juntos e juntos celebrarmos uma época de solidariedade e de partilha. Era pouco comum fazerem-se jantares disto e daquilo. Não precisávamos, pois estávamos juntos o ano inteiro. Hoje participo em muitas jantaradas onde reencontro alguns velhos conhecidos que acabo por só ver uma vez por ano. Sintomático é o incontornável “então até pró ano” da despedida.

Como era bom que tivéssemos a capacidade de parar, olhar para trás e escolher o Natal de outrora, de um tempo que não volta. O Natal do “Tin-Tan-Tun”, dos cheiros ao licor de tangerina a macerar desde Novembro, das camisolas de lã grossa que usávamos porque o frio que fazia a isso obrigava. Da vinha-e-alhos preparada em família e tornada para dentro do grande pote de barro onde ficava semanas a ganhar o gosto e o cheiro que inundava a casa no almoço do dia da Festa. O amassar dos bolos de mel e o fazer dos biscoitos, o visitar às casas dos vizinhos que eram pessoas que conhecíamos e não desconhecidos, o provar o licorzinho e a aguardente com mel ou o anis.

O acordar às quatro e picos da manhã para as preparações libatórias da Missa do Parto. O descer a Rua de Santa Luzia aos magotes e em grande algazarra até à Igreja onde cantávamos a “Virgem do Parto” em altos berros como mandava a tradição. A Missa do Galo, a canja, os poucos mas merecidos presentes onde havia sempre livros que me fascinavam nos meses seguintes.

5. Hoje temos a Noite do Mercado. Ele é quase mais gente do que a ilha tem. Ele é barracas por todo o lado. Ele é a coralzinha a brotar das fontes e a ponchinha dos jarros. Ele é a RTP a dar música. Ele é os cantares de Natal a cheirar a peixe, e o cheiro a tangerinas e laranjas, e o empurra pr’áqui e empurra para ali, e as boas festas a um e a outro, e o sorriso estúpido nos lábios de quem sente que faz parte... E a mim? A mim uma enorme saudade da noite dos carrinhos eléctricos!

6. Na minha casa e desde sempre, a carne de vinha-d’alhos é um dos rituais mais importantes do Natal e que cumpro religiosamente. Umas três semanas antes do dia compram-se os ingredientes procurando que sejam de qualidade. Tempera-se e acondiciona-se a carne num pote de barro onde vai passar uns 12 dias a ganhar sabor. Depois vai à panela a cozer com a marinada (e aqui reside um dos segredos) e volta para o pote mais uma semana, mais coisa menos coisa. No dia de a degustar a carne vai à frigideira com banha para ganhar calor e cor. O líquido da marinada serve para embeber pão de casa com uns dias que vai no final ao lume no mesmo recipiente onde foi fritada a carne. Serve-se com batatinhas que levaram um aperto em água a ferver e depois saltam também para a frigideira (em casa uso duas para tornar o processo mais rápido). Vem isto tudo a propósito de não perceber (e atenção que não estou a dizer que não gosto, pois também as como) a loucura que hoje corre pelo processo a ficar a meio. Tempera-se a carne de manhã para servir ao fim da tarde numa versão cozida. Cá em casa também se comem umas sandes no dia da cozedura, mas não é de todo a mesma coisa. Não troco por nada o cheiro da vinha-d’alhos a macerar que se espalha pela cozinha nestes dias a antever uma carne rica, avinhada e com aquele toque a alho e pimenta que rebenta no fundo da boca.

7. Para mim os presentes não são o que de mais importante tem o Natal. Não crio espectativas à sua volta. Até porque as coisas correm sempre mais ou menos assim: o casaco que me trouxeram de Nova Iorque cabe na perfeição no meu primo, os sapatos de Lisboa eram mesmo o número do meu cunhado e por causa das minhas alergias a minha sobrinha adorou o perfume...

8. E pronto, aqui chegados desejo-vos a todos o dobro daquilo que me desejarem. Aos amigos, aos amigos dos amigos, aos que têm um lugar na minha vida, aos meus, aos que fazem da vida uma partilha, aos que nem por isso, aos que preenchem, aos indiferentes, aos que me orgulham, aos pobres coitados, aos que abraço, aos rejeitados, aos saudosos, aos que não conheço... a todos um bom Natal, cheio de coisas boas. E que se possam esquecer por momentos os problemas e que no final, ao abrirmos os olhos, constatemos que este mundo onde vivemos tem mais paz, mais concórdia, mais respeito, mais amor.

9. OH, OH, OH...