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Crónicas

O código genético da educação

E se o maior presente que podemos dar aos nossos filhos (e alunos) for deixar o seu código genético cantar?

O pai, em tom de autoridade, grita: “Eu sou o adulto, eu mando e tu fazes o que eu mando.” Acredita que ensina respeito, mas mostra que o amor tem condições.

A professora, sem conseguir inspirar, obriga os alunos a copiar cinquenta vezes: “Vou respeitar as regras da sala de aula.” Julga ensinar disciplina, mas treina obediência.

Ainda confundimos educação com controlo e respeito com medo. Herdámos um modelo em que mandar parecia ensinar e obedecer era sinónimo de boa educação.

Mas educar não é fazer a criança obedecer, é ajudá-la a compreender.

A verdadeira disciplina nasce da relação, não da autoridade. É onde a criança aprende a pensar, a sentir e a escolher, não por medo das consequências, mas por entender o impacto das suas ações.

“Oh, Rita, castigos e ameaças funcionam”, dizem-me ainda muitos pais e professores. Sim, mas só no imediato: criam obediência por fora e medo por dentro. Destroem a autoestima.

As feridas da infância crescem em silêncio, disfarçadas em vozes interiores que dizem: “não és suficiente”, “não podes errar”.

São marcas deixadas por uma educação autoritária que apaga a diferença, desvaloriza a emoção e domestica a espontaneidade, tudo “em nome do amor”.

Quando o bom senso falha, valha-nos a ciência que confirma: educar não é moldar, é decifrar.

Cada criança traz um código genético único, que influencia como sente, reage e aprende.

A psicóloga e geneticista Danielle Dick, autora de O Código da Criança (Planeta), mostra que o comportamento humano nasce da interação entre genes e ambiente, um dos princípios da epigenética.

É por isso que duas crianças, mesmo criadas da mesma forma, reagem de modo diferente. Nenhuma está errada: cada uma responde à vida a partir da sua natureza.

Ignorar essa individualidade é como tentar fazer flores iguais crescerem em solos distintos.

É aqui que a ciência encontra a consciência. Tal como defende a Parentalidade Generativa (PG), não há fórmulas: há relações vivas, capazes de criar o contexto certo para que cada criança floresça na sua natureza.

Ler este livro é um exercício de empatia e lucidez. Ajuda-nos a ver para lá do comportamento e a reconhecer que, muitas vezes, o que chamamos “má educação” é apenas uma expressão biológica que precisa de orientação, não de punição.

Fico genuinamente feliz por ver a ciência confirmar o que comecei a explorar há quinze anos com a PG, não para ter razão, mas para que mais pessoas descubram que há sempre possibilidades e que é sempre possível fazer diferente, a cada momento.

Na neurolinguística chamamos-lhe ecologia do sistema: criar harmonia entre o ambiente, as interações e a identidade.

É preciso mudar o paradigma: do controlo para a conexão, da autoridade que oprime para a que orienta.

Esse é o caminho da PG: reconhecer cada filho, aluno ou jovem (aliás, todos!) como um sistema em evolução, não um molde a preencher.

Com base no Modelo Bidimensional dos Estilos Parentais, a autora descreve quatro formas de educar, sustentadas em duas dimensões: afetividade e exigência.

Pais e professores participativos harmonizam ambas, são exigentes e afetuosos, estabelecem limites claros com empatia.

No extremo oposto estão o estilo autoritário, centrado na obediência, e o permissivo, que confunde liberdade com ausência de orientação; e há ainda o negligente, onde falta tudo: rigor e vínculo.

A PG nasce dessa integração: responsabilidade sem rigidez, amor sem permissividade. Guiar com intenção.

O papel do adulto não é impor um molde, mas criar o ambiente que permite à criança expressar o melhor de si, de acordo com a sua natureza.

Danielle Dick lembra ainda: o estilo parental reflete também o temperamento do próprio adulto. Não reagimos apenas à criança, reagimos às nossas predisposições genéticas. Por isso, a eficácia das estratégias depende tanto de quem as aplica quanto da criança.

A autora propõe também, conversar com o professor sobre o temperamento da criança. Essa partilha cria pontes, antecipa desafios e dissolve expectativas. Faz cair o rótulo da criança “difícil” e surgir a compreensão.

Entre pais e coeducadores, compreender é mais importante do que dominar. Nem sempre é preciso concordar. Às vezes, o mais sábio é concordar em discordar, sem criar tensão (um alívio!).

O que funciona para um adulto pode não funcionar para outro, e as crianças percebem, adaptam-se e aprendem uma competência de ouro: a flexibilidade emocional.

Educar é assim, alinhar exigência com empatia, afeto com responsabilidade.

É decifrar o código emocional e biológico de cada filho (e aluno) e construir uma relação de igual valor, que gera crescimento mútuo.

Em vez de mudar o código, criamos o ecossistema fértil para que ele se expresse.

É sobre isso que falarei na próxima sexta-feira, 14 de novembro, nas II Jornadas de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, no Funchal.

O tema é urgente: a saúde mental é a base de uma sociedade saudável. E a forma como educamos e nos relacionamos com as crianças e jovens é o primeiro espelho dessa saúde coletiva.

Quando a parentalidade é autoritária, o medo instala-se como norma.

Quando é generativa, o amor transforma-se em consciência.