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Semelhanças com “gripe espanhola” começam e acabam na pneumonia

Foto TIAGO PETINGA/LUSA
Foto TIAGO PETINGA/LUSA

Medidas para tratar os doentes com codiv-19, como a transformação de instalações em hospitais, assemelham-se às aplicadas na “gripe espanhola” de 1918, mas as parecenças acabam aí, porque não só o agente é diferente como Portugal é outro país.

“Foi um verdadeiro inferno, não só para Portugal, mas em todo o mundo. Por isso dizemos que se tratou de uma pandemia. Envolveu todos os continentes, em duas ondas. A primeira no verão de 1918 e, logo depois, no princípio do outono”, recordou Francisco George, ex-diretor-geral da Saúde e presidente da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP).

Batizada de “pneumónica” pelo diretor-geral da Saúde de então, Ricardo Jorge, porque os doentes morriam de pneumonia, “a gripe espanhola não teve a sua origem identificada” até à viragem dos anos 40 para 50, quando o H1N1 foi registado.

Em comum, a “gripe espanhola” e o novo coronavírus só têm a probabilidade de a doença respiratória evoluir para pneumonia.

Por isso, Francisco George considera que, excetuando este quadro clínico, “é errado fazer uma comparação entre o vírus da gripe de 1918-1919 com a situação que vivemos 100 anos depois”.

“O agente viral é diferente, a doença é diferente, a expressão epidémica tem contornos diferentes e a evolução da pandemia igualmente diferente”, afirmou.

Mas não só é o agente que é diferente. Também Portugal é hoje “outro país”.

Há um século, “as infraestruturas de saúde eram muito frágeis, não tínhamos medicamentos, os hospitais eram de tal forma débeis que foi preciso mobilizar instituições de ensino, como o Liceu Camões, no centro de Lisboa, que foi mobilizado para servir de hospital”, disse Francisco George.

Foram ainda estabelecidas outras medidas de “resposta social”, como a instalação de “um orfanato temporário na Ajuda”, em Lisboa, para “receber as crianças que perdiam as mães”.

A segunda onda da epidemia de gripe, em outubro de 1918, foi “particularmente grave, sobretudo nos jovens”.

“É curioso notar que os escritos, os artistas, estes episódios em Portugal são pouco relatados”, observou Francisco George, acrescentando: “É como um silêncio sobre o que se passou em 1918, um silêncio estranho, incluindo por parte dos escritores e artistas. Foram poucos os que abordaram a questão, sendo que existiram aldeias que desapareceram”.

A historiadora Fernanda Rolo considera que “as sociedades têm uma forma interessante de lidar com os seus traumas e este é um grande trauma. A memória coletiva em Portugal quase que apagou o impacto da pneumónica. A pneumónica foi horrível”.

“À escala mundial, a pneumónica matou quase 50 milhões de pessoas. A guerra [mundial 14-18] matou menos de 10 milhões. Foi de uma violência impressionante. Estamos a falar de um número de mortes que incide em meia dúzia de meses. Num ano. Isto é de uma violência brutal”, descreveu.

Em Portugal, prosseguiu, foram “entre 50 mil a 70 mil mortos, de norte a sul do país. Aldeias que desapareceram, famílias que se extinguem. Ainda há muitos sobreviventes dessas famílias e há muitas memórias sobre tudo isso, mas têm sido sempre memórias contidas, memórias caladas”.

“Quando se fala na gripe espanhola, têm ideia do horror que provocou no estar e na vida das pessoas, mas há um grande silêncio sempre sobre tudo isso”, referiu.

Ainda a propósito do centenário da “gripe espanhola”, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, alertou para “as consequências devastadoras para a humanidade” que uma pandemia pode ter.

“Os vírus e as bactérias não se foram embora. Nós pensamos que sim - com a vacinação, antibióticos, água potável, saneamento básico -, mas não. Eles estão por aí e estão à espera de uma oportunidade para se manifestar. Essa é a grande lição”, disse à Lusa, aquando do centenário da pandemia.

Graça Freitas sublinhou que “as pandemias não são apenas doenças. São fenómenos sociais e económicos muito complexos e que levam a outras questões que têm a ver com o medo e a solidariedade”.

“Há sempre um lado nas pandemias que ultrapassa a morte e o sofrimento e tem a ver com o impacto na sociedade, com o medo, como esse medo altera mecanismos de equilíbrio e solidariedade entre as pessoas e o brutal impacto económico que essas pandemias têm”, observou.

Por seu lado, o presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Fernando Almeida, considera que, cem anos depois, o impacto desta pandemia ainda é difícil de avaliar.

Para Fernando Almeida, o impacto sentiu-se a três dimensões: científico (desconhecia-se mal a questão e ainda hoje há dúvidas sobre a origem da doença), social (as condições sociais e económicas das populações eram muito degradantes e degradadas) e económico (num país com a dimensão do nosso, foi qualquer coisa de dramático e incontornável).

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