Crónicas

Nem a Greta é santa nem eu sou estúpido

1. Livro: o turco Orhan Pamuk, foi Prémio Nobel em 2006. “O Romancista Ingénuo e o Sentimental” é um livro interessantíssimo. Uma espécie de manual onde Pamuk parte de um ensaio de Schiller, “Sobre a Poesia Ingénua e a Sentimental”, para abrir a alma e revelar a subtileza da sua escrita.

2. Disco: já é um trabalho de 2018, mas António Zambujo não tem data. Refiro-o aqui, pois acaba de ganhar o Prémio José Afonso com este trabalho. Um disco excelente de um dos maiores da música portuguesa contemporânea. Permitam-me o destaque de “Sem Palavras”, com música de Mário Laginha e letra de João Monge. Para ouvir muito.

3. Anda por aí, neste tempo de Gretas, uma estética política quase infantil onde tudo tem de ser “sim ou não”, “preto ou branco”, uma espécie de linguagem digital de “zeros e uns” onde se perde a cor e o intervalo da inteligência.

A esquerda perdeu a guerra do económico e teve de se adaptar ao que combateu, tornando-se a modos que capitalista. Ou algo parecido com isso. Aprendeu-o mal. Adorou-lhe os vícios e as distorções. Criou uma espécie de capitalismo de Estado de adesão obrigatória. A bem ou a mal.

Para se entreter, porque bem-estar não tinha para apresentar, depois do desastre soviético, arranjou causas. Tornou-se identitária, dona da cultura e das questões ambientais.

Infelizmente, a direita sabe lidar mal com estas coisas. Deixa este espaço livre à demagogia saloia da esquerda. À soberba intelectual desta, responde a direita com uma soberba disfuncional. Se a esquerda ergue a bandeira das causas de género (que têm tudo a ver com a liberdade e a escolha) a direita esfrega e coça-se sem saber dizer uma coisa tão simples como: pela liberdade tudo, cada um deve ser e fazer o que quiser e entender. Se a esquerda se apropria da cultura, a direita deixa-a fazer isso, como se cultura não fosse nada com ela. E agora, o modismo é a agenda climática.

Tudo isto é-nos apresentado como se fosse uma guerra, uma guerra cultural, ideológica, entre esquerda e direita.

A estupidez de tudo isto é que a direita aceita que assim seja. Uma questão que é eminentemente científica passa a ser vista com palas ideológicas que impedem um lado e o outro de ver o óbvio: o mundo está mal.

O desastre ambiental em que vivemos, é culpa de todos. Da esquerda à direita, ninguém pode ser ilibado.

Escrevia há dias Greta Turnberg: “a crise climática não tem só a ver com o ambiente. O sistema de repressão colonial, racista e patriarcal tem que ser desmantelado”. Pior do que ver um velho armado em gaiteiro é ver uma jovem, de 16 anos, armada em velha. Este discurso é não só perigoso, é velho e oco de propósitos e tão mau como o negacionismo de Trump, Bolsonaro e outros boçais como eles.

Não há mal nenhum em a direita ser ecológica. Até porque, partindo do individual para o grupo, a nova direita tem de olhar para o bem-estar do indivíduo, da sua família, do seu núcleo mais próximo, numa perspectiva de qualidade de vida que vá da riqueza até ao meio envolvente. Ninguém gosta de viver numa pocilga. E há direita europeia com preocupações ecológicas.

4. Estou longe, muito longe mesmo, de ser conservador. Por oposição posso achar-me progressista. Mas isso não faz, nem nunca fará, com que pense que a imaturidade prevalece sobre a experiência. O ideal é aceitarmos a irreverência e o pensar solto da juventude e encontrarmo-nos ali, a meio, terçando ideias e experiências.

Até porque a juventude transporta consigo uma carga muito mais voluntarista do que ideológica e é a experiência que vai fazer com que uma substitua a outra.

5. “Gulag” é uma série documental, que está a passar no Canal História, sobre os campos de concentração na antiga URSS. Tem de ser vista devagar, por tão chocante que é.

Episódio após episódio, fica demonstrado à exaustão que o “paraíso na terra”, proporcionado pelo comunismo, era esclavagista.

E pensar que, entre nós, andam pessoas que defendem esta trampa...

6 Por cá, continua tudo na mesma. A polítiquinha do costume, agora com o constante “babar” do CDS sobre o seu parceiro de companha. O sal dos dias que tanto nos tem divertido. Quando tiver alguma paciência, e acreditem que para o fazer é preciso mesmo muita, vou fazer um “Deve e Haver” sobre o que o CDS disse sobre o PSD, e as suas políticas, no passado. Por enquanto o Presidente da Assembleia fala de amor pelo PSD, o Secretário da Economia pede, olhos nos olhos, que lhe digam “que valeu a pena”, na Assembleia Municipal do Funchal um passaroco gorjeia loas ao Vice e o Secretário do Mar entrega prémios de pesca desportiva.

7. Ao longo do ano que agora acaba, continuou uma tendência de abrir concursos, para entrada na função pública, de novos trabalhadores. Uns atrás dos outros, em muitas e variadas direcções regionais, institutos, empresas públicas e secretarias. Tenho mesmo a ideia de ter ouvido o Vice-presidente a falar em 1000 entradas. Até parecia que íamos ter eleições.

Há destes procedimentos concursais que nem chamaram ninguém para provas, outros levaram milhares a mostrarem o que valem em provas escritas. E eu sei do que estou a falar, pois conheço quem tenha concorrido a muitos deles.

Deixem que vos conte: um amigo concorreu a um destes procedimentos no SESARAM. Determina este que a prova de conhecimento valha 70% e a de entrevista 30%. Mesmo que um concorrente tenha uma nota elevada, um 18, por exemplo, a afilhada ou o afilhado tem o seu lugar assegurado. Isto porque na subjectiva entrevista leva um 10 e o afilhado é premiado com um, não tão subjectivo, 20. Invertem-se as classificações e beneficia-se quem se quer beneficiar. Basta procurar, as avaliações são públicas. Por enquanto.

E o que dizer de uma série de notas máximas conseguidas por um grupo de pessoas com o mesmo nome de família? Isso passou-se num outro procedimento concursal que, para cento e tal vagas, teve mais de 2000 concorrentes. Vagas de Assistentes Operacionais para diversas escolas da região. Souberam-se, há dias, os resultados da prova escrita. Mas isso não inibiu o Sr. Secretário da tutela de anunciar que “este ano lectivo que agora se vai iniciar, foi reforçado com centenas de professores e mais 140 Assistentes Operacionais”. Ora se o concurso ainda está a decorrer — e parece que vai decorrer por muiiiiiiiittttooooo tempo — de onde saíram esses Assistentes?

Vêm do desemprego, recebem o subsídio a que têm direito, transporte e refeições. E saem, assim, das estatísticas de desempregados. São desempregados, mas não são, porque estão, provisoriamente, a trabalhar.

É esta a chico-espertice que nos governa. E a culpa é de quem? Minha não é de certeza, pois não votei nisto.

8. Um plano de contingência não tem só a ver com remarcar voos e estadias. É pena que quem nos governa não consiga entender isto, por mais que se tente explicar.

Uma contingência é algo que não se consegue prever. Que não se consegue controlar. É uma eventualidade, uma casualidade.

Contingência terá que ser remarcar voos e estadias, mas também minorar desconfortos, disponibilizar informação precisa, atender quem necessita com rapidez, direcionar e dirigir o momento de um modo eficaz, etc. E isto tem de envolver todas as entidades: companhias aéreas, entidades aeroportuárias, fornecedores de refeições e snacks, hotéis, serviços de transportes rodoviários, etc.

Contingência tem tanto a ver com os que ficam impedidos de chegar como com os que querem partir.

Finalmente, contingência terá de ser alternativa. Urge criar um grupo de trabalho altamente especializado que estude, de modo sistémico e científico, como ultrapassar o nosso problema aeroportuário.

9. Inqualificável o que se passou na Assembleia Regional. Um deputado a dizer a outro, luso-descendente: “vai aprender a ler e a falar português”.

É vil, é baixo, é discriminatório, é estúpido, idiota e ignorante. Tão idiota e ignorante como tentar fazer do incidente uma coisa que tenha a ver com xenofobia, que não teve.

Finalmente, ver o PSD armado em virgem ofendida é tão ridículo como o que foi dito, porque o PSD já disse naquele hemiciclo das coisas mais indizíveis que se possam imaginar.